João Carlos
Hélio Luís Navarro de Magalhães, Edinho, do Destacamento A.
Filho de almirante e sobrinho de ministro interino da Marinha. Preso ferido,
sua sobrevivência é colocada em dúvida pelos relatórios de 1993
sua sobrevivência é colocada em dúvida pelos relatórios de 1993
Da percepção
dos sinais físicos (luz, som, choque etc.), surgiram os reflexos, os sentidos,
a solidariedade das espécies e a emoção da humanidade, na grande engenharia do
tempo sem tempo.
O uso desses
sentimentos primordiais para sensibilizar a nação brasileira para obter
vantagens mesquinhas é de dar nojo. Esse grupo de vampiros e mocreias mata a
poesia de quem lutou pela liberdade. Chega ao paradoxo de mover ações contra
procurar guerrilheiros que possam estar vivos. Se estiver vivo ótimo, do
contrário não atrapalhem a busca de seus restos mortais.
Um dos mais
prováveis a ter sobrevivido, Edinho, é de grande importância para mim. Esclarecer,
como e por que quando fui abandonado, pois ele estava presente e no comando do
deslocamento que fazíamos. Relatarei como estavam o clima e o estado emocional
naqueles momentos.
A excitação
era grande, quando cheguei ao acampamento com Nelito, carregado de mandioca,
todos estavam secando suas munições e polindo suas velhas e toscas armas. Sônia
se aproximou e me cochichou a eminência de fazermos um ataque.
- Até que enfim
vamos tomar a iniciativa, falei. Ela sorriu.
Logo em
seguida, surgiu Zé Carlos ordenando que fosse com o Edinho para uma tarefa, com
dois rapazolas e outro quase menino, que haviam entrado na luta.
Deixamos o
restante do destacamento e saímos com destino ignorado, o que era de praxe e
contra qualquer bom senso: se deslocar sem saber o destino nem a missão.
Como quase
sempre acontecia, fui de batedor à frente do grupo, e parei quando chegamos ao aceiro de
uma roça. Edinho se aproxima e faz sinal para eu avançar, o que acho estranho, pois
era contra as normas atravessarmos descampados.
Sigo em frente
cautelosamente, ele se aproxima e me manda acelerar. Obedeço, e rapidamente
atravesso a roça. Aguardo um pouco e eles não chegam, espero alguns minutos e
começo a assobiar como o jaó, código usado em circunstâncias de aproximação de
provável grupo. O silêncio é absoluto. Retorno pelo mesmo caminho.
Não ouço
qualquer ruído, repito os sinais e nenhuma resposta. Depois de algumas horas,
sigo até um local onde estivemos acampados algumas semanas. Não encontrei
ninguém. Volto ao aceiro da roça e procuro nas proximidades, encontro uma
estrada de construção recente, a terra ainda era úmida.
Armo a rede
perto do aceiro ainda na esperança de eles chegarem. Durmo impressionado com a
imagem da estrada aberta, e com a constatação de estarmos vulneráveis. Na manhã
seguinte, tomo a decisão de ir em direção à Beira.
Além de
esclarecer esses e outros fatos, ficaria feliz em saber de uma vida poupada.
Conheci o
camarada “Corção” (José Roberto Brum de Luna), responsável pelo partido na
Faculdade Nacional de Química, e liderança, entre outros, do Edinho no setor
estudantil do Rio de Janeiro. Estivemos juntos também no Comitê Universitário
onde fui responsável pela Agitação e Propaganda.
Encontrei-me com Edinho um mês depois de chegar ao Araguaia, quando estava no PA da Bacaba. Piauí
me deu ordem de pegar com ele um embrulho que não podia ser aberto. Entrei
na mata no rumo indicado, havia chegado há menos de um mês, mas confiei no meu
senso de direção. Edinho chegou atrasado ao ponto indicado e sem a encomenda.
Conversamos um pouco, apesar de seu espírito sério e reservado, sobre o P.A. da
Metade, seu agrupamento, comandado por Nelito.
Depois de
abandonarmos o P.A. da Bacaba, por causa do desaparecimento do Jurandir, encontrei-o
novamente antes do início do conflito, quando já estávamos estabelecidos no P.A.
do Fortaleza, que havíamos acabado de construir, poucos dias antes da invasão
das Forças Armadas. Fizemos o mapa com a quilometragem do perímetro da área
desde o P.A. do Fortaleza até a região do Some Homem, Três Barracas, São
Domingos das Latas e da Bacaba, perto da Transamazônica.
Edinho ficou
alguns dias no nosso P.A. Recentemente, uma cobra “limpa campo” se estabelecera
entre as palhas de Babaçu que cobriam nosso teto, aparecendo e desaparecendo
atrás de ratos. Eu sabia não ser venenosa, mas por ser cobra me incomodava. Em
certo momento ela colocou a cabeça de fora em cima da cumeeira, peguei o rifle
22 e apontei. Edinho ainda gritou.
- Você vai
feri-la e vai ser pior.
Mesmo com
pouca chance, apertei o gatilho. Em segundos, ela deslizou e caiu inerte com a
cabeça perfurada. Edinho pegou a cobra, abriu sua boca e mostrou que ela não
tinha veneno. Coerente, naquela noite ele rejeitou a iguaria frita.
No outro dia,
fomos explorar uma vereda de caçador paralela ao caminho que ligava o Peazinho
ao P.A. Fortaleza. Achamos vários locais excelentes para emboscadas e
fustigamentos. Retornei pela vereda e ele quis ficar um pouco mais. Ao pular
por cima de um tronco enorme, senti algo estranho e olhei para trás.
Havia uma
surucucu “pico de jaca”, enrolada sobre si mesma em posição de ataque, o volume
ia até o meu joelho. Olhei ao redor para ver se havia outras. Sua cabeça ereta
e seus olhos me incomodavam. Escondi-me no mato. Edinho aparece e lhe aponto a cobra,
que some enquanto discutíamos seu destino.
Quando as
Forças Armadas invadiram a mata, permanecemos
em contatos esporádicos, nos mesmos acampamentos, por aproximadamente vinte meses.
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