domingo, 4 de janeiro de 2015

Comissão que mente há 20 anos à sociedade, quer mais poderes - e dinheiro - do governo


                                      Myrian Luiz Alves e João Carlos Wisnesky*


Instituída em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de “reparar” crimes do regime civil-militar de 1964-1985, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (Lei 9.140), sediada no Ministério da JUSTIÇA, em Brasília, quer, agora, poderes da Comissão Nacional da Verdade (CNV), findada em dezembro de 2014.

Há quase duas décadas, essa comissão comete graves crimes contra a história do país, familiares de mortos e desaparecidos políticos e contra os próprios, ou melhor, contra seus corpos, configurando crime de vilipêndio, segundo o Código Penal.

Molesta túmulos, esconde esqueletos e restos mortais nas dependências da Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República e impede o cumprimento (honesto) de duas sentenças judiciais contra a União.



FARSAS NA MEDICINA LEGAL

Com o absurdo de, composta por leigos, ter a responsabilidade de identificar militantes, desrespeitando instituições e laboratórios, a comissão em todo esse período não solicitou sequer fichas antropométricas. Quando flagrada em suas ilegalidades, como ocorreu no caso Bergson Gurjão Farias, em 2009, mentiu! Alegou “REVOLUÇÃO MITOCONDRIAL” para identificar, após uma série de denúncias na imprensa e na Câmara dos Deputados, o esqueleto com quase 1.90m e arcada dentária do primeiro guerrilheiro a tombar em combate com paraquedistas das forças legais. 

No poder da comissão, seus restos mortais (como ainda ocorre com os de outros companheiros seus), permaneceram ocultos de 1996 a 2009. Sua mãe (nonagenária), como seus irmãos, foi enganada antes, durante e depois desse período. Até hoje, como se pode comprovar nos documentos da SEDH e da CNV, nenhuma autocrítica relativa a esse descaso foi feita pela área de Direitos Humanos da Presidência.

Ao contrário, desde o início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o tema “desaparecidos”, ou ditadura, foi utilizado de maneira jamais vista na história da redemocratização.

ESTUDANTE E GUERRILHEIRA JAZ NOS ARMÁRIOS DA JUSTIÇA

Este blogue alertou, em novembro passado, antes do final dos trabalhos da CNV, como tem feito desde sua criação, que havia – e há – restos mortais de guerrilheiros do Araguaia em poder da comissão de mortos e desaparecidos.

Entre outros, recolhidos em 1996 e 2001 da região do Araguaia, pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH/PR) e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, está o de WALKÍRIA AFONSO COSTA, estudante de pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Walkíria, caçando em Minas Gerais e na sepultura, no Cemitério de Xambioá (TO), a 500m da Base Militar.
Intitulado E3.2, o esqueleto permanece sem providências de identificação desde 2001. 

Última guerrilheira a ser capturada, teria sido fuzilada na Base Militar de Xambioá (TO), na presença e por oficiais das Forças Armadas, em 25 de outubro de 1974.

O Relatório da Marinha, de 1993, já apontava a data, confirmada por inúmeros depoimentos ao Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), criado pelo governo Lula, para cumprimento da sentença da Justiça Federal, em 2009. Objetivando, em primeiro plano, a condenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos (OEA), “ativistas” da luta armada urbana – que permanecem como se estivéssemos em guerra interna e que comandam as comissões - impedem o esclarecimento dos fatos e a identificação de “ossadas”, como a de Walkíria.

Pode-se, com base em pesquisas e fatos, concluir que, nos últimos anos, tais militantes do passado querem forçar a aceitação de seus métodos de ação – de caráter terrorista – pelas novas gerações, em detrimento da memória de guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), militares para lá deslocados (há militares mortos em combate - quem são?) e a população.

É preciso lembrar – e debater – as divergências pretéritas dos grupos armados que resistiram, cada um ao seu modo, à ditadura. Incluem-se no debate partidos, que, embora clandestinos, não aceitavam a guerrilha urbana como ação de resistência, a exemplo dos comunistas do PCdoB, ou do PCB (que não aceitava também a rural).

No período Dilma Rousseff, a CNV forçou, via gigantesca assessoria, a versão dos grupos armados urbanos, obviamente para “enaltecer” o slogan (usado na campanha 2014) “Coração valente”.

Uma versão intensificada pela propaganda repetida quase diariamente pela mídia, por meio de releases, com histórias bastante conhecidas da historiografia. No fim, pouco revelou a CNV. Alguns documentos faziam parte do acervo do Arquivo Nacional. Outros, foram doados por militares às pesquisas e à imprensa. Pode-se afirmar que o relatório, divulgado com pompa, em 10 de dezembro - é apenas uma sistematização de livros e documentos públicos.

O caso Epaminondas Gomes de Oliveira, cujo esqueleto foi retirado do Cemitério Campos da Paz, em Brasília, era conhecido desde 1996. Faltou apenas, durante esse período, ação da própria Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.

Pergunta-se: por que pagar custos dessa comissão ou aumentar seu poder?

O caso Bergson foi revelado por esta pesquisadora (Myrian Luiz Alves), com apoio de guerrilheiros – totalmente ignorados por essa comissão e pela CNV nos seus dois anos e sete meses de atuação –, amigos e jornalistas.

Em 2009, após vários anos de denúncia, foi preciso a intermediação do ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Pompeu de Matos (PDT), e do ex-ministro José Dirceu para retirar o corpo de Bergson do armário da SEDH, em 2009. Texto do Arquivo Nacional conta a identificação (devida) de Bergson (37 anos após sua morte, e 13 após seu sepultamento em campo santo em junho de 1972) e as dez ossadas em poder do Ministério da Justiça, sem encaminhamento.

Agora, o esqueleto de Walkíria e outros que jazem da mesma forma em caixas de papelão desde 2001 precisarão do apoio de quem do governo? 

Quem sabe o novo ministro da Defesa, Jaques Wagner?

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, registra-se, já tinha conhecimento do caso Bergson quando exercia seu mandato de deputado federal. Antes, portanto, de assumir a pasta no governo Dilma.

E a Secretaria de Direitos Humanos, no nosso entendimento, não teria qualquer interesse em resolver a questão. Para isso terá de assumir seu descaso e atos de vilipêndio.

Vamos repetir quantas vezes forem necessárias nossas denúncias contra a violência travestida de “direitos humanos” contra cidadãos e guerrilheiros (vivos e mortos) do Araguaia!

Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), em 2009, na região de Brejo Grande (PA). Na imagem, Myrian,
 o general Araújo (de óculos), da Brigada Militar de Marabá, geólogos da UnB e legistas do IML-DF.


          * Myrian Luiz Alves é jornalista e pesquisadora. Participou de buscas e exumações na região em 2001, como assessora do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado dos familiares do Araguaia. Foi pesquisadora independente convidada, por portaria, do Ministério da Defesa (2009-2012) para cumprimento da sentença da Justiça Federal. Em agosto de 2014, recebeu ofício da Presidência da República (Comissão Especial e SEDH) para “colaborar” com informações sobre essa “tal” guerrilha, como diz o texto do ofício. Há 14 anos denuncia a não-identificações, sob responsabilidade da SEDH, de guerrilheiros exumados do Cemitério de Xambioá (TO) e da Reserva Indígena Suruí, em São Geraldo (PA). 

*        * João Carlos, médico, foi guerrilheiro no Araguaia. Com o codinome "Paulo", integrou, entre setembro de 1971 e setembro de 1973, o Grupo 1, liderado por Orlando Momente (Landinho), do Destacamento A, então comandado por André Grabois (Zé Carlos).