segunda-feira, 23 de julho de 2012

MPF vê incompetência na busca por desaparecidos políticos


O Estado de S.Paulo - 23 de julho de 2012 | 10h 07

ALANA RIZZO - Agência Estado

O Ministério Público Federal (MPF) acusa a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Secretaria de Direitos Humanos de omissão e improbidade administrativa por conta de falhas na localização e identificação de restos mortais. O documento, a que a reportagem teve acesso, foi encaminhado à Comissão da Verdade.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi cobrado pelos integrantes da Comissão da Verdade sobre a atuação do Núcleo de Pesquisa em Identificação Humana para Mortos e Desaparecidos Políticos da Polícia Federal. Desde 2010, a PF trabalha em parceria com a Comissão de Mortos nas atividades de busca e identificação dos corpos.

Ofício encaminhado ao Ministério da Justiça pelo coordenador da Comissão da Verdade, Gilson Dipp, pede esclarecimentos sobre o estágio dos trabalhos nos casos citados pelo MPF e os resultados obtidos na definição da identidade de ossadas.

Segundo o relatório dos procuradores da República, a inércia e a ineficiência da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos teriam chegado a limites insustentáveis.

"Inicialmente o MPF atribuiu a dificuldade em obter avanços na matéria à carência de recursos humanos e materiais da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos", diz o texto. Em seguida, porém, a omissão da comissão e da secretaria abriu espaço para considerar a existência de responsabilidades pessoais pela violação de direitos fundamentais.

Improbidade

"As ausências de respostas aos ofícios, às recomendações e notificações chegam às raias da improbidade administrativa, salvo melhor juízo. Após mais de 10 anos de atuação do MPF na matéria, é possível afirmar que a secretaria e a comissão não realizam suas obrigações legais de ofício. E, mesmo quando provocados pelo Ministério Público Federal, tergiversam", diz a conclusão da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga.

Ela cobra ações imediatas perante a secretaria e a Presidência da República. O documento, intitulado "Relatório para Fins de Prosseguimento nos Trabalhos de Busca e Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos no município de São Paulo", é assinado também pelo subprocurador-geral da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Veiga.

Os procuradores listam procedimentos administrativos e ações civis públicas em tramitação na Justiça de São Paulo sobre o tema. Detalham ainda as dificuldades encontradas na localização dos mortos e desaparecidos políticos nos cemitérios de Vila Formosa e Dom Bosco, no bairro de Perus.

Na avaliação dos procuradores, a situação no cemitério de Vila Formosa é dramática. "Imagina-se que não haverá alternativa senão a construção de um memorial para registro dos fatos. É praticamente impossível a localização de uma ossada específica, inumada ali como indigente há mais de 40 anos, como ocorria com os militantes políticos." O cenário não seria muito diferente no Dom Bosco, que alterou critério de identificação das covas.

O documento ressalta que ossadas (cerca de 1.049) separadas em 1990 permanecem desde 2001 no Cemitério do Araçá. Não foram até hoje examinadas por quaisquer das sucessivas equipes que atuaram nos trabalhos de identificação.

O MP especifica casos de militantes políticos, como Hiroaki Torigoe, que, apesar das indicações das ossadas, não teria entrado na pauta da comissão, e Luiz Hirata e Aylton Mortati, cujos restos mortais aguardam a finalização de exames antropológicos e de DNA, prometidos desde outubro de 2010.

Secretaria

A Secretaria Especial de Direitos Humanos informou ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que não recebeu o relatório do MPF sobre omissões no trabalho de localização e identificados de desaparecidos políticos.

No mesmo comunicado, a secretaria ressaltou que a busca de respostas para os familiares dos desaparecidos é uma prioridade e que conta com a contribuição da sociedade, do MPF e da Comissão da Verdade para melhorar os trabalhos.

Marco Antonio Barbosa, presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, também citada no relatório do MPF, informou que, por enquanto, não iria se manifestar. "Desconheço o texto e só posso comentar após tomar conhecimento", disse. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Coluna Bastidores


Bastidores

Por Myrian Alves e João Carlos


Como mostra a legenda da foto, o capitão comandou o 52º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), implantado no Km 8 da Transamazônica em junho de 1973 para combater a guerrilha. Do BIS foram retirados corpos, segundo testemunhos ao Grupo de Trabalho Tocantins, em 2010. Já faz parte da narrativa da história. 

O período da chefia do capitão coincide com o da eliminação de prisioneiros. Ele poderia contar o que ocorreu, pelo menos entre Brejo Grande e Marabá (PA). Fotos dos sucessores integram também a homenagem  aos comandantes do BIS da 23ª Brigada, a maior da América Latina. (Relatório e foto de Myrian Luiz Alves, GTT, abril/2011)


Comissão da Verdade prioriza documentos 
antes de novos depoimentos

A informação saiu anteontem (26) no Correio Braziliense. A notícia é boa. Um bom cruzamento de informações pode impedir a repetição da divulgação de assuntos velhos como fossem novos. Foi o caso da entrevista do legista Harry Shibatta, um dos campeões de laudos de mortos políticos durante o regime militar.

Profissão "terrorista"

Durante os anos de chumbo, o IML paulista inscrevia a profissão "terrorista" nas fichas dos que morriam em conflito armado, nas ruas ou nas torturas dos porões. Quando não retirados por parentes ou outros, pelos mais variados motivos, o serviço funerário municipal de São Paulo encaminhava os corpos para cemitérios municipais, com seus nomes verdadeiros ou falsos. A partir de março de 1971, o Cemitério dom Bosco, no bairro de Perus, passa a receber a quase totalidade dos que tombavam nessas condições.

Tudo isso foi apurado há 20 anos pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Desaparecidos Políticos (CPI de Perus), da Câmara paulistana. Shibatta e vários de seus colegas, como Isaac Abramovitz, depuseram em audiências públicas, como fizeram também ex-governadores, ex-delegados e militares como o falecido coronel Eramos Dias.

Quebra-cabeça 

A documentação do IML foi pesquisada durante a CPI graças a trabalho  anterior do repórter Caco Barcelos, ao levantar informações para seu livro Rota 66. Ou seja, os documentos, em desordem, foram arrumados pela equipe do jornalista. Representantes de direitos humanos e assessores da CPI também cruzaram essas informações, disponíveis nas 19 pastas da comissão no acervo da Câmara paulistana. Casos de outros estados também foram tratados na CPI, entre eles o Araguaia.

Por que é considerado "desaparecido" um corpo que dá entrada num instituto de segurança pública, é fichado e encaminhado para cemitério municipal? Ou, ainda, visto pela maioria da população de uma cidade do interior, que vivia e sabia tratar-se de uma guerra.

Vez ou outra volta à pauta a destruição de documentos. Até mesmo o visado IML de São Paulo mantinha, em 1989, 90 e 91 todos os seus registros e disponibilizava suas desorganizadas pastas a um repórter da TV Globo, devidamente autorizado pelo governo do estado.
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A casa de Petrópolis

Os representantes de direitos humanos do Rio precisam se entender sobre a questão dos mortos da casa de Petrópolis. Os militantes foram desaparecidos, como diz o ex-delegado Claudio Guerra, ou foram enterrados no cemitério da cidade, como já noticiou tantas vezes a imprensa. 
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Maluf e Perus 


A  fotografia do ex-presidente Lula com Fernando Haddad e Paulo Maluf, que correu as redes nos últimos dias, serve pelo menos para lembrar que o ex-prefeito pode ser útil à Comissão da Verdade.

Quem sabe, agora, o "comunista" Maluf resolva ampliar as informações dadas à CPI de Perus, em 1991. Na época, o vereadores queriam apenas saber a razão do campo santo ter sido construído às carreiras, sem serviços adequados até de terraplenagem.

A partir de março de 1971, o Cemitério Dom Bosco receberia a maioria dos mortos políticos de São Paulo.


Maluf prestou um grande serviço ao regime, ao comprar, por exemplo, às custas do erário, todas as homenagens - coroas de flores, placa de bronze, divulgação em jornais - à jovem agente Stela Borges Morato, assassinada (como mostrou a CPI) em "fogo amigo" no cerco ao líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighella, em 4 de novembro de 1969. 

A morte de Stela também deve ser esclarecida para a história do país. 

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Grupo de Trabalho Araguaia, junho/2012



Ficou bonita a inserção do Brasão da República nos impressos do GTA, incluindo os utilizados nos veículos que percorrem a região para o cumprimento da sentença federal.

Em 2001, recortei os símbolos republicanos de várias pastas da Câmara para colá-los nas laterais das caixas de restos mortais que seguiram de Marabá para Brasília, após a primeira fase da Expedição Antígona, da Comissão de Direitos Humanos.

Naquele momento, também os três poderes atuavam na apuração dos acontecimentos da guerrilha no Araguaia. A Comissão da Verdade pode nos fazer entender as razões da condenação do Brasil na Corte Internacional. (Myrian Alves)

domingo, 27 de maio de 2012

ASCO



Myrian Luiz Alves e João Carlos Campos Wisnesky


Aos guerrilheiros Lucia Maria de Souza (Sonia) e
 Libero Giancarlo Castiglia (Joca), in memoriam

(Liubliu – Amo, de Wladmir Maiakovski)

“(...)  Depois
atai-me a um poste
fuzilai-me!
Por causa disso
Haverei de mudar? (...)”

(Guerra e Paz – Maiakovski. Tradução: E.Carrera Guerra, 1956)


Desde a confirmação dos sete indicados pela presidente Dilma Rousseff à Comissão da Verdade, ou, desde sua instalação, somente agora os autores deste blogue decidiram tecer sua opinião, ou comentários. Optaram por observar as análises e as polêmicas publicadas nos mais variados meios de comunicação. O resultado dessa leitura é estarrecedor! E, também, sugestivo!

Quantas opiniões vieram à tona para apontar que a Comissão deve fazer isso ou aquilo, que esse ou aquele não deveria integrar o seleto grupo, como se pode observar na entrevista da representante do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, em entrevista à Carta Maior.
 
Haverá um dia em que todo o cinismo desses chamados representantes de "direitos humanos" será finalmente revelado. Por ora, nossa obrigação é a de apenas lembrar-vos, amigos leitores, que essas pessoas calaram-se diante da revelação de corpos de combatentes em armários da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Algumas foram, inclusive, responsáveis pelo "arquivamento.

Ao ser um dos corpos identificado, 13 anos após sua exumação por um grupo forense argentino, sob a tutela de tal comissão, essas pessoas também não fizeram autocrítica. Apoiaram-se na absurda desculpa de que uma “revolução mitocondrial” favorecera a identificação de um homem com quase 1.90m de altura, problemas na mastoide e 21 dentes (sete teriam ficado na terra), além de materiais, como restos de cipó, com ele encontrados. Não permitiram a legistas ou laboratório brasileiros a análise dos restos mortais.

Não demonstraram nenhuma comiseração por sua mãe, nonagenária, ter ficado mais de uma década sem poder sepultar dignamente seu filho, morto no enfrentamento a paraquedistas e em defesa de quatro camaradas, no final de maio ou nos primeiros dias de junho de 1972 (provavelmente no dia 2 de junho). Bergson Gurjão Farias, Chefe do simbólico grupo chamado Esperancinha não foi assassinado. Morreu em combate.A revelação de mais uma identificação de guerrilheiro do Araguaia, enterrado em cemitério público, e retirado em 1996 com apoio governamental, poderia, afinal, prejudicar a ação movida na Corte Interamericana contra o Brasil. 

Isso, em nosso entender, além de nos envergonhar enquanto nação demonstra o mau-caratismo que tomou conta de muitas organizações no país, e, também, das instituições. Nem o fascismo ou o nazismo teria sido tão criativo.

Omitir cadáveres dentro do aparelho de estado para usufruir de status político e financeiro por meio dos direitos humanos não provoca asco? Apoiado pela Comissão Europeia, nenhuma ação política para sabermos melhor o que se passou durante o regime militar satisfaz esse grupo e outro assemelhado, do qual sempre falamos, ambos com menos de meia dúzia de porta-vozes. O que eles querem?

Os jornalistas que os entrevistam não percebem o cinismo - seus desentendimentos internos quando lhes convêm, e sua união quando o tema é indenizações ou nomeações à vista?

Há mais restos mortais retirados da região do Araguaia em Brasília, que, identificados, auxiliariam a localizar outros que ainda lá permanecem. Guerrilheiros podem ter sido mortos na Capital, pois para lá foram levados com vida, como revelou um sargento da Aeronáutica na Comissão Externa da Câmara dos Deputados em 1992 (texto da Agência Estado abaixo).

Queremos saber dos responsáveis por essas prisões o que ocorreu. É preciso ouvi-los e cruzar suas informações com os milhares de documentos já disponíveis e outros que possam ser revelados pela Comissão da Verdade.

O que temem os vampiros de nossa história? De também eles serem cobrados por suas omissões? De seus financiamentos recebidos do exterior, como a Fundação Ford, para publicarem livros bem grossos – são mais caros, claro – com historinhas sempre por eles próprios contadas?

Não querem, também, que saibamos de erros ou equívocos de seus líderes? Ou por que entendem que os contrários às suas opiniões devam ser justiçados, retirados da vida pública por conta de suas queimações?

Queremos ouvir o Brasil tal como ele foi forjado, analisado sob o contexto mundial do período e de seu processo de redemocratização. Sem medos ou vergonha.

Se a história da civilização fosse tratada como desejam os vampiros de nossa história, assassinos ou os que (re)escondem corpos de suas verdadeiras famílias, não conheceríamos sequer o que se passou em Troia ou em Waterloo.

Queremos, além disso, saber as divergências políticas e de ação entre os grupos que foram à luta armada, seus reais objetivos, da mesma forma que já se sabe o papel do Brasil no apoio a outros golpes militares, como o do Chile.

E, mais a fundo, também solicitamos à Comissão da Verdade uma análise sobre o dossiê elaborado pela senhora Maria de Lourdes Salazar e Oliveira à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, em 22 de janeiro de 1996, para saber dos restos mortais de seu filho, Ciro Flávio Salazar e Oliveira, tombado em 30 de setembro de 1972, com seus companheiros Manuel José Nurchis e João Carlos Haas Sobrinho.

Aliás, queremos saber o que se passou no Instituto de Criminalística do Distrito Federal (ICDF) e na Polícia Federal de Brasília em 19 de novembro de 2003, dia em que restos mortais e coletas de sangue foram estupidamente retirados para serem arquivados na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Junto ao material coletado da família Haas, no ICDF, havia um osso da perna de Iuri Xavier Pereira, jamais desaparecido. Por que estava ali?

Um bom caminho para saber os procedimentos sob a responsabilidade de leigos autointitulados especialistas em ”direitos humanos” é ouvir, por exemplo,  legistas e antropólogos de Brasília, da Argentina e da Unicamp. E conhecer, também, detalhadamente seus relatórios e saber, ainda, “resultados” divulgados pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos a partir de análises jamais apresentadas.

“(...) Em nossas veias/corre um sangue rubro/E não água morna .
Marchamos através/de um ladrar de balas/para que ao morrer
nos tornemos/navios/poemas/ou coisas maiores.
Gente como eu/Jamais deveria morrer.
Mas, já que existe um fim/quisera/ – É meu único desejo –/encontrar a morte/
como a encontrou /o camarada Nette.”

(Maiakovski – Ao Camarada Teodoro Nette – Homem e Navio, 1926)


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Reportagem da Agência Estado, de 9 de dezembro de 1992, relativa a depoimento de ex-sargento da Aeronáutica à Câmara dos Deputados

"Diário do Passado
Quarta-feira, 9 de dezembro de 1992
Sargento depõe sobre o Araguaia na CPI dos desaparecidos políticos
Brasília, 09 (AE) – Os deputados Roberto Valadão (PMDB-ES) e Cidinha Campos (PDT-RJ) tomaram ontem, em nome da CPI dos Desaparecidos Políticos, o depoimento do sargento reformado da Aeronáutica, Napoleão Sabino de Oliveira. Ele diz ter transportado guerrilheiros presos na guerrilha do Araguaia.
Seu relato durou quase uma hora. Diante do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenere, o sargento contou que, de 1974 a 1975, trabalhou no transporte de alimentos e pessoas entre Brasília e Xambioá, no Araguaia.
Em janeiro de 1975 ele transportou oito guerrilheiros encapuzados – cinco homens e três mulheres – de Xambioá para Brasília. No percurso, um deles perguntou se ia morrer. “Nesse avião, não”, teria respondido o sargento.
Ele contou também que muitos guerrilheiros assassinados foram enterrados num local situado a 1.500 quilômetros (sic) da pista de pouso de Xambioá, mas ressalvou não ter testemunhado nenhum desses crimes. O sargento responsabilizou o Exército e a Aeronáutica por essas mortes; e as polícias militares do Amazonas e do Pará, como sendo as forças deslocadas na época para o Araguaia."
(Trecho de relatório de Myrian Luiz Alves ao Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), março de 2011)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Dr. Juca, em quadrinhos, e a importância do registro histórico



"Nem todos os anos que passam se vivem: 
uma coisa é contar os anos, outra é vivê-los."
(Padre Antônio Vieira)

Myrian Luiz Alves



Manobras militares da Operação Papagaio (setembro-outubro de 1972) em Caiano, em área da propriedade do economista gaúcho Paulo Mendes Rodrigues, primeiro comandante do Dst C da guerrilha. Juca viveu certo tempo na "fazenda", e ali manteve uma farmacinha. O senhor Cícero da Bella lembra-se do jeito de Juca fazer café, aproveitando água quente para escoar copos e xícaras. O Grupo de Trabalho Tocantins gravou relevantes depoimentos a respeito do doutor Juca. Reunidas todas as informações até aqui, o médico nascido há 71 anos em São Leopoldo, presidente da União Gaúcha dos Estudantes em 1964, ano em que se formou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, contribui para que essa página da história integre o ensino de história do país desde o fundamental.  Caiano, às margens do Rio Araguaia, localiza-se em São Geraldo, no sudeste do Pará. Guarda um dos mais fortes e simbólicos registros da memória regional. A foto integra o acervo do ex-soldado Raimundo Pereira de Melo, fundador e dirigente da Associação dos ex-Combatentes da Guerrilha do Araguaia. Nas manobras militares,  a base de Caiano era composta, em sua maioria, por soldados vindos de Minas Gerais.

Legal a proposta do blog criado por Taís Morais, jornalista, escritora, pesquisadora da Guerrilha do Araguaia e da história recente do Brasil. Ótima contribuição ao acompanhamento do vaivém da atuante Comissão da Verdade, embora até o momento a presidente da República Dilma Rousseff não tenha nomeado seus integrantes. 

Surpresa, também, conhecer, pelo blog, o bonito trabalho postado no Youtube, o dr. Juca (João Carlos Haas Sobrinho) em quadrinhos.

Como sabemos, infelizmente, que a hipocrisia atrasa o contar das histórias, ficamos contentes quando conhecemos novos trabalhos relacionados ao tema. Pois sabemos, por outro lado, que podemos confiar nos condutores do (re) contar. Juca é um deles. O que se passa, né, Taís?

Dr. João Carlos, no Vão do Marco, entre Porto Franco e São João do Paraíso (MA), com o Frei Ângelo e moradores. Abaixo, discurso de Fortunato Pereira Neto, Poeta do Sertão, declamado na despedida do primeiro médico cirurgião de Porto Franco, em meio a 3 mil pessoas, tendo a à frente o então bispo de Tocantinópolis e autoridades locais. Manifestação para o convite a que permanecesse na cidade. Deve-se o arquivo da memória do sul maranhense, em especial, ao secretário de Cultura de Porto Franco, Vaner Marinho e moradores que guardaram lembranças do jovem médico, morto aos 31 anos durante a Operação Papagaio, 
ação das três forças militares, na qual tombaram oito guerrilheiros. 


Da Memória Sul Maranhense

"Discurso do poeta imortal, Fortunato Moreira Neto, quando do histórico ato público da população de Porto Franco e região, na tentativa de evitar a partida do Dr. João Carlos.

Ilustres Ouvintes:
Nobres concidadãos aqui presentes:

Na reunião popular de ontem, fui surpreendido para fazer uso da palavra. Então, falei, não porque me sentisse em plenas condições de fazê-lo, mas, circunstancialmente, para dar um simples haver num grande débito de gratidão. Creio, porém, que o crédito mais aumentou a importância do débito, o qual sempre há de ficar acima de todos os pagamentos! E aqui me encontro por causa de tal dívida, por cujo motivo me cumpre dirigir-vos, em inculta linguagem, expressões e pensamentos, em referência aos elevados e honrosos objetivos desta impotente e cordial manifestação de apreço, e condignamente feita, agora, ao Dr. João Carlos, eminente médico e super-homem que, a serviço do bem, há tempos se encontra entre nós, como nobre benfeitor da humanidade.
Ora, sabemos que a arte de falar bem – a mais difícil de todas as artes , é sublime privilégio de raros homens chamados gênios, entre os quais posso citar:  Demóstenes, na Grécia; Cícero, na Itália;  Dr. Joaquim Nabuco de Araújo; Dr. Rui Barbosa, o Padre Antonio Vieira (o Crisóstomo); Monte Alverne e mais outros do Brasil; e todos de renome sobejamente conhecido da História da Civilização ou na História Universal.
Quisera, meus amigos, ter o divino dom da Oratória, e para vos dar uma inconcussa prova de leal amizade e de consideração, neste instante, e sobre o assunto em foco, e que ora tanto nos empolga e prende a atenção, e por justas  razões.
Um simples palpite de minha parte quero juntar às vossas mais queridas aspirações, e que deram ensejo a esta segunda reunião coletiva e seleta, e que significa a continuação dos nossos melhores anseios pelo completo bem estar e felicidade do bom e heróico Povo da nossa querida Cidade!
Eis o meu singelo modo de pensar a respeito da crescente e prosperidade que desejamos a Porto Franco e à nossa heróica gente e do sertão.
Primeiro que tudo, devemos apelar para a Suprema Vontade da Providencia Divina, que trouxe o Dr. João Carlos ao nosso modesto convívio, e para que tão douto e generoso médico prossiga conosco, como preciosa dádiva do Céu a todos nós, e ante as nossas dores e sofrimento; segundo, continuarmos constantes no apelo que lhe estamos fazendo e para que fique conosco, como bem lhe aprouver, ou for conveniente a seus próprios interesses, e de modo que Deus sempre abençoe a sua honrosa estadia em nosso meio-ambiente.
Creio ser de nossa absoluta necessidade termos aqui uma importante Junta Médica, e que lute, abnegadamente e incessantemente, no sentido de salvar-nos das doenças, e sob o patriótico amparo da Bandeira do Brasil, heroicamente e hasteada ou desfraldada entre os suaves e harmoniosos acordes do Hino Nacional a nosso favor.
Da Junta Médica em pálida e obscura sugestão de um rude Mestre-Escola do Sertão, o Dr. João Carlos poderá ser o erudito Diretor ou Dirigente, tendo o necessário tempo para acompanhar a evolução da Medicina Moderna ou da Ciência Médica atualizada; e para inteira felicidade dos pacatos habitantes de Porto Franco, e de quaisquer outros lugares que procurarem os relevantes serviços do seu conceituado Consultório Médico bem esse que nos seja logo e inadiavelmente dado pela atual Administração do País, em nome de Deus, e para maior Glória de nossa Pátria estremecida.E, assim, Dr. João Carlos, mais um mínimo haver no insolvível débito de gratidão que tenho convosco.
                            Ide e voltai imitando Pasteur!
                            Ide e voltai imitando Pasteur!
                            E ponto final, por enquanto.

Porto Franco, 1º de Novembro de 1968
Fortunato Moreira Neto  -  Poeta do Sertão."

O armário (guarda-roupa) deixado por João Carlos a dona Dejacyr, sua amiga e auxiliar. Com ele, aprendeu a fazer carne de porco com polenta, um dos pratos preferidos do doutor. 
Dona Dejacyr registrou a esta pesquisa:"O doutor João Carlos podia não acreditar em Deus, mas Deus acreditava nele". Entre armários e situações equivocadas, a condução do contar da história polemiza 
e revela caráteres, caminhos e realismo político.

sábado, 21 de abril de 2012

O mais do mesmo e o uso da mentira


(O Inferno, de Hieronymus Bosch, 14450-1516)

Por João Carlos e Myrian Alves, em resposta à
 reportagem
 do ESPN, de 7 de abril de 2012



"...quem aqui vier morar/Não traga mesa nem cama/Com sete palmos de terra/
Se constrói uma cabana/Tu trabalhas todo o ano/Na lota deixam-te nudo/
Chupam-te até ao tutano/Levam-te o couro cabeludo".
(Os índios da meia praia, José Afonso)

Existe uma regra, básica, no jornalismo: checagem dos dados, ou informações.

Quando há opiniões divergentes ou acusações que expõem a vida de outrem, a obrigatoriedade profissional deve ser seguida com mais afinco.  Na área de direitos humanos, que busca o passado de muitos que já não estão aqui, o costume é pesquisar os mais diretamente ligados aos respectivos assuntos. Quando a pessoa citada ou reportada é viva, ora, pergunta-se diretamente a ela, então.

As reportagens geralmente ressaltam a virtude dos mortos; dos vivos, destacam comumente os pecados, e esses podem ser questionados, rebatidos ou confirmados.

O jornalista esportivo do canal ESPN caiu na conhecida maracutaia da área de DH ao repetir a enganação proposta há 40 anos por uma sobrevivente da Guerrilha do Araguaia, que se intitula porta-voz e que passa a vida atacando seus ex-companheiros de conflito. Vive dele, impede o avanço das investigações, semeia a cizânia ao dirigir, pelas costas,  e por estar no meio de comissões há trocentos anos. É o achado mais fácil para os jornalistas que se iniciam no tema.

Na reportagem, Criméia Schimdit sugere que seus companheiros carregavam Paulo, codinome de João Carlos, (Dst A). Quase todos os guerrilheiros adquiriram várias doenças como a malária e a leishmaniose. Carregar nas costas o mais debilitado era procedimento comum. Também havia os que enfrentavam limitações. Ari do A, por exemplo, descobriu-se sua epilepsia no dia da invasão militar. Raul já havia passado por intenso tratamento contra a tuberculose, ainda no Ceará. Zé Carlos, Joca, Tobias e outros enfrentavam dificuldades visuais. Elza Monerat, na Faveira, possuía cama, algo raro na área, porque sofria de problema na coluna. Carlito foi capturado quando estava numa rede debilitado pela leicho. A cena descrita por testemunhas é uma das mais conhecidas da história.

Para atacar João Carlos, Criméia utiliza uma versão carregada de preconceito. Fala de Rosa (Maria Célia Corrêa), que não está aqui, sem informar o rompimento da relação entre eles. Ou ainda, que, posteriormente, ela enamorou-se de Nunes, engravidou e, infelizmente, não teve o privilégio da "nora" do comandante de, ao engravidar, sair da região. Foi obrigada a abortar, deixando Nunes enfurecido, embora fosse próximo ao comando.

Outra "acusação" é a de Rosa ter seguido para a área de campo por conta de uma paixão. Uma inverdade que acaba por deturpar o caráter da guerrilheira, morta após sua prisão em 1974. Ela deslocou-se para a região por ser militante, como seu irmão, Elmo Corrêa, e sua companheira Telma (Lia).

O casal Pedro e Ana,  primeiro a deixar a área, partiu porque não se submetera à obrigatoriedade do aborto. A mesma situação foi vivida por Lucia Regina. João Amazonas contou a essa pesquisa ter sido ele o autor do pedido a Maurício para que Regina deixasse a região. Sonia salvou sua vida, ao fazer-lhe um aborto sem estrutura, provocando sequelas, e por ter informado ao comando que não poderia responsabilizar-se pela vida da companheira. 

O militar de chapéu, na primeira fileira atrás do guerrilheiro Piauí (Antonio de Pádua Costa), aprisionado e "desaparecido", seria o agente Ivan, segundo o atual tenente José Vargas Jiménez, o Chico Dólar, autor do livro Bacaba, no qual narra a captura de Piauí, de sua responsabilidade. Seria Ivan também o militar que aparece na foto abaixo, do helicóptero no qual estaria o prisioneiro Beto (Lucio Petit)?


 
O sargento do Exército Joaquim Artur,  agento Ivan, do Centro de Inteligência do Exército (CEI), morto provavelmente nos anos 80, é, depois de Curió, o mais citado no conflito. No livro de Eumano Silva e Taís Moraes, Operação Araguaia, Ivan aparece em fotografia, com outros agentes, junto a um homem, sobre um cavalo, que seria o delator de  Zé Porfírio,  o líder de Trombas e Formoso (GO).  Joaquim Artur, Sebastião Curió e outros agentes têm seus nomes citados no relatório da da Operação Sucuri (informação e infiltração, 1973).
Aliás, o texto chega no detalhe de expor
 as funções  e a localização dos "arapongas da Sucuri", participantes de várias operações militares, inclusive contra outras organizações.

Os ex-guerrilheiros "acusados" por essa senhora, direta ou indiretamente, ao longo dos anos, com a clara intenção de afastá-los das apurações, não receberam esse tratamento do partido dirigente da guerrilha. Ela deu-se o "direito" de abrigar dores ou gestos heroicos, dos quais não se tem notícia. Repete, apenas, o mesmo do mesmo. A partir da década de 1990, intitulou-se “assistente de Suzana Lisboa para assuntos do Araguaia” junto à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Participou anos a fio de reuniões "acompanhadas" por restos mortais de seus companheiros arquivados no armário da sala da comissão, no prédio do Ministério da Justiça.

Não fez qualquer autocrítica pelo abandono de 13 anos do esqueleto de Bergson Gurjão Farias, entre out
ros que ainda se encontram em Brasília, como não fizera qualquer gesto para acelerar o procedimento de identificação. Pergunta-se, era assistente para o quê? Talvez para impedir que pessoas aproximem-se e descubram malfeitos como o sofrido pela família do militante cearense, entre outras, além de diminuir a história dos guerrilheiros.

Embora utilize-se também de uma gravidez, consequência de um namoro com o filho do comandante-geral, Maurício Grabois, nunca manifestou-se, nas organizações ou comissões por ela integradas, a respeito do sequestro de filhos de guerrilheiros, como o do Osvaldo e, agora, da revelação de Lia, filha de Antonio Teodoro, o Raul. Denúncias feitas há anos por uma minoria, sem apoio de grupos de direitos humanos, não interessados no tema de filhos gerados por guerrilheiros no Araguaia.

Sobrevivente com o apoio do comando e de parte da direção do partido, a história da hereditariedade do filho do comandante veio a calhar, no momento em que a vida chamava à redemocratização do país. Os trinta guerrilheiros que lá ficaram não serviram de referência sequer à  análise político-militar. Nem de denúncias ainda no tempo em que os fatos aconteciam - 1974 - nem depois. A Igreja, a Cruz Vermelha ou qualquer outra instituição que pudesse interferir no momento dos fatos não foram acionadas pela direção ou pelo comando da Guerrilha, como Ângelo Arroyo, testemunha da correlação de forças e da maldade já sem disfarces predominantes na terceira e fatal campanha.

Caçados por homens bestificados, foram encarcerados, torturados e executados, em sua maioria absoluta. Civis foram também peças de cenas macabras, nas quais o descontrole do estado em relação aos seus servidores está mais do que comprovada. Basta um dia de passeio na região. A marca do terror está nos corpos e olhares.



O "marido", André Grabois (Zé Carlos), flagrado após abater porcos a tiros, foi morto com seu grupo. A atuação do comandante do Dst A naquela ação foi, num primeiro momento, registrada com benevolência - e pela emoção de um pai - no diário do comandante Maurício Grabois. Mais à frente do texto, porém, faz a crítica ao filho quase com o mesmo estilo por ele adotado contra seus subordinados, com desprezo. Em seu diário da guerrilha, com a mesma postura, ofende sistematicamente vários dos integrantes e comandantes, incluindo Osvaldão.


O relato da morte de Zé Carlos, Zebão, Alfredo e a prisão de Nunes, ferido mortalmente, foi contado em detalhes pelo coronel Lício Maciel. Dessa ação, escapara apenas João Araguaia, autor do registro para a guerrilha. Ou seja, o fato está narrado. O excursionismo atrás dos corpos será comentado em outro momento desse blogue, mas está registrado em relatório da pesquisa ao Grupo de Trabalho Tocantins.   


Outros dolos


Mais de duas décadas depois, Zezinho (Micheas Gomes de Almeida), guia de Criméia para sair da área, reapareceu, e jamais fora citado, mesmo já no período da redemocratização. No primeiro momento, em 1996, tratou-o com simpatia, apresentação do filho, salvo pela travessia até São Paulo. Após alguns anos, a ameaça de perder o foco das atenções da trama - ou a fama - a fez dizer, a jornalistas que cobriam uma farsa por ela sustentada na área, em 2004, que o companheiro tentara estuprá-la, e ela o teria ameaçado com o revólver. Zezinho, já acostumado com o vampirismo de alguns, ironizou: bem, arma ela não tinha, não saiu com ela de lá. 


Ainda no campo de guerrilha, provocou o "julgamento" de Sonia, a "médica" que entraria para a história por ter ferido gravemente o chefe do grupo de informações, o então major Lício Maciel, no rosto, e acertado um tiro de raspão no capitão Curió. Naquele momento, a acusação era o "paternalismo" com que tratava a saúde do comandante, sexagenário,  cardiopata, diabético e hipertenso, Maurício Grabois. Não foi levado em conta que a destemida guerrilheira mantinha o mesmo comportamento com todos os camaradas e civis por ela atendidos.



Hoje dirigente da Fundação Maurício Grabois, o jornalista do PCdoB, Osvaldo Bertolino, não percebeu a surpreendente narrativa de Criméia desde sua saída da área, incluindo seu "encontro" com Carlos Danielli, em 28 de dezembro de 1972, registrada em seu livro Depoimento de luta - a vida de Carlos Danielli. Fato não contado anteriormente sequer por Elza Monerat, em seus vários depoimentos e entrevistas sobre a guerrilha. A prisão de Danielli e sua morte sob tortura praticamente esgotou os laços do partido com a área, além de arrefecer os ânimos comunistas (Cap. 11, Prisões e mortes p.125-141).

Propriedade privada do comunismo hereditário


"De Montegordo vieram/Alguns por seu próprio pé/
Um chegou de bicicleta/Outro foi de marcha à ré".
 (Os índios da meia praia, José Afonso)

Não foi perguntado a João Carlos, na entrevista, se ele queria encontrar-se com Vitória Grabois. A matéria pressupõe que ele desejasse isso. Nunca houve qualquer ligação entre eles, não se conhecem. Também não haveria razão para isso porque ela, como sua cunhada, não é dona da história. E Vitória não participou da guerrilha.

Aldo Creder, irmão de Rosa (Maria Célia), afirmou ao jornalista que João Carlos procurou sua família, mas não disse onde ela se encontrava. Nem poderia.

Observe-se também o Classe Operária, de abril de 1975. O jornal do comitê central do partido ufanava-se das vitórias das Forças Guerrilheiras do Araguaia, anunciando o seu avanço. Aliás, em seu diário, nos últimos dias antes do natal de 73, Maurício fez duras críticas ao partido por saber que, no exterior, informações equivocadas sobre a guerrilha, que não mantinha contato há meses com a direção do partido, eram divulgadas.

João Carlos deixou a região no final de setembro de 73. Em 4 de outubro estava preso em Dianópolis (TO). Foi libertado sem que fizessem qualquer ligação com os acontecimentos do sudeste do Pará. O documento do Serviço Nacional de Segurança (SNI), enviado à Polícia Civil de Goiás, logo após seu retorno ao Rio de Janeiro, chama a atenção do delegado. Faz parte do Arquivo Nacional. A terceira operação militar, a Marajoara, é deflagrada em 13 de outubro de 73, portanto, encontrava-se totalmente preparada após quase um ano de infiltração da Operação Sucuri. Fase mais cruel das ações militares, a Marajoara prosseguiu até janeiro de 1975.

Os documentos do Arquivo Nacional estão lá para que todos possam ler. Registros que mostram o processo de queda dos militantes do PCdoB do Rio de Janeiro, a partir de depoimentos de dirigentes regionais que ficaram no Rio, não seguiram para o campo. Toda a estrutura da base de medicina e da União da Juventude Patriótica (UJP) já estava exposta.

Aqui, uns parênteses: esses documentos somam-se a outros muito interessantes. Há uma série de links de arquivos que mostra a arapongagem em reuniões dos deportados na Argélia, integrantes de várias organizações e seus destinos, Cuba, Paris, Chile, retornos. Documentos também encontrados no Arquivo Nacional.

O repórter do ESPN também entrevista um "conhecido" de João Carlos. Ele sugere que João Carlos, munido de “pistolão”, conseguira sua rematrícula no curso quando já deveria ter sido jubilado. Não é verdade. 
Estava dentro do prazo de dois anos, como se contava o período na época. Na região do Araguaia ficou cerca de um ano e meio. Na volta, procurou saber com professores mais próximos as condições da repressão na universidade. Razões suficientes para o entrevistado concluir que João Carlos era agente da CIA. 


A partir daí, prosseguiu sua vida, na medicina e no futebol, compondo o time de rebeldes Trem da Alegria. Com esses companheiros, o convívio ainda permanece, em ambiente animado, de amizade, jamais de ódio.


Outros fatos

"E se a má lingua não cessa/Eu daqui vivo não saia/
Pois nada apaga a nobreza/Dos índios da meia praia".
 
(Os índios da Meia Praia, José Afonso)

Certa vez, Genoino disse que sobreviver àquele período era como carregar uma culpa. Somente Crimeia parece não tê-la, embora oficiais hoje divulguem em livro ou pela internet sua relação com o agente Ivan (sargento Joaquim Artur).

Vitória contou em 2001 que Criméia afirmou-lhe ter mantido profunda amizade com um militar. Em 2005, o sargento José Reis, o Régis, parceiro de Ivan na infiltração da Sucuri na área de Brejo Grande, disse que não era amizade, era namoro. Contou que Ivan, que infiltrou-se próximo ao Chega com Jeito, vendera munição ao Zé Carlos.

O coronel Lício Maciel contou mais recentemente que a venda da munição fora autorizada por Curió. Diz também que, após levar Crimeia de Brasília, ao sair da prisão, à sua casa em Belo Horizonte, Ivan teria seguido com ela para “outros destinos....”. O carro, um Opala preto. Os pesquisadores sabem que o agente carioca era o preferido do general Bandeira, que o tratava como um filho. O militar que teria acompanhado os dois até a capital mineira conta a outro historiador que durante o trajeto Ivan ia comprando roupinhas para o filho da ex-componente da guerrilha.  

O pré-natal da prisioneira do Pelotão de Investigações Criminais (PIC), teria sido acompanhado pela mulher do general. O nascimento é registrado no Hospital Distrital de Base (HDB)

                     
Novamente, pergunta-se, ou devolve-se a acusação: por que o grupo de Zé Carlos foi justamente o primeiro a cair na terceira campanha, em ação comandada pelo cel Lício, então chefe de Ivan, Curió, entre outros?

Outras informações poderiam ser melhor contadas se um ou outro jornalista ou pesquisador divulgasse alguns apanhados sem pruridos, para que o quebra-cabeça vá se encaixando o mais rápido possível. Para que se avance a partir do que já se sabe e, assim, aquela cruel realidade possa servir para sua verdadeira importância, ser parte da trajetória dos 512 anos de construção da nação. Os poucos sobreviventes ainda vivos dos vários lados são fundamentais para a (re) constituição da experiência adquirida.


                          
João Carlos Haas Sobrinho, paraninfo, comemora a formatura do ginasial de Porto Franco, no início de 1968. Uma das jovens, integrante da família Sá, era namorada "de portão" de Zé Carlos, filho de Mário (Maurício Grabois), vendedores de quinquilharias de cozinha. Gilberto (Gilberto Olímpio Maria), também morador da casa da Rua Rio Branco, possuía um Jeep, algo muito raro. Ao saírem da cidade, antes de João Carlos Haas, a namorada, que teria sido o grande amor de André Grabois, segundo moradores e também sua irmã, Vitória, foi a Marabá. Lá, anunciou em rádio da praça a procura por Zé Carlos. Mário e seu filho prosseguiram com os mesmos nomes utilizados a 100 e poucos quilômetros do sudeste do Pará, do outro lado, apenas, do Bico do Papagaio, localização da tríplice divisa entre o Maranhão, antigo Goiás e o Pará. Gilberto, o Pedro Gil da guerrilha, foi o segundo companheiro de Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, a mais popular das combatentes.
Os dois dividiram o comando do Dst C, já integrado ao B, de Osvaldo Orlando Costa. A história  individual, sentimental, cotidiana dos últimos anos da vida dos guerrilheiros não é contada pela maioria das publicações.  



Observações


Myrian Luiz Alves



Walter Luiz Alves, o Nino, meu pai,  morreu aos 48 anos após assistir, pela televisão, ao enterro de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985. Deitou-se e não abriu mais os olhos. Guarda Civil de São Paulo exonerado sem defesa em 1º de abril de 1965, fora espancado, um ano antes, de farda, na roleta do Deic, junto com seu parceiro de viatura, por policiais ordenados pela Secretaria de Segurança Pública. À época já com sequela de lesão cerebral, viveu seus 19 anos restantes atormentado por crises, muitas delas de choro, e colapsos. Passou cinco desses anos atrás das grades dos pavilhões 2 e 8 da Casa de Detenção de São Paulo (1972, 1974-1979). Em seu último período, viveu a expectativa da tramitação  de um processo contra o estado, pelo não direito à defesa em sua exoneração. Não houve causa mortis, disse o laudo do IML paulista.
 Foi "morte emocional", comentou um diretor do instituto.


   1. Não sou filha de delegado. É uma das "acusações" contra mim feitas diante de pessoas do Grupo de Trabalho Araguaia, em minha ausência. A outra "denúncia" é de ser inimiga "deles". Deles quem? Não tenho inimigos, apenas adversários. Não convivo, nem tenho tempo a perder, com a mentira nem a hipocrisia de alguns transmissores do mal, embora posem exatamente ao contrário, para inglês ver.

2. Não sou esposa de João Carlos, como mostram os caracteres da matéria. Aliás, não é termo usual no jornalismo. Sequer em meu primeiro casamento, no papel, utilizei essa palavra. Não costumo inventar maridos, nem vivo de histórias, ou das finanças, de  companheiros, namorados, amigos ou parceiros.
  
    3. A grande honra de ter participado do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), coordenado pelo Ministério da Defesa do Brasil, de cumprimento da sentença federal, foi a de tê-lo integrado como "pesquisadora independente convidada".

segunda-feira, 2 de abril de 2012

ESPN exibe sábado, 7 de abril, entrevista com João Carlos (Paquetá)



VÍDEO: Polêmico ex-jogador e militante, Paquetá faz revelações incríveis sobre Guerrilha do Araguaia

por ESPN.com.br

A Guerrilha do Araguaia faz 40 anos neste mês de abril, e o programa da ESPN Histórias do Esporte terá uma edição especial: ‘Paquetá: futebol, guerrilha e traição’, que traz revelações incríveis de um dos capítulos mais violentos da história recente do país.

Casos contados pelo ex-jogador de futebol Paquetá, que passou pelo América-RJ, Flamengo e times da Bélgica, Holanda e França. Médico, futebolista e guerrilheiro, Paquetá tem uma trajetória tão ou mais polêmica que o próprio movimento que agitou o Brasil em plena ditadura, e a vida dele provoca muita controvérsia.

“Só não fiquei louco porque tenho a consciência de que não traí ninguém”, desabafa. Assista à edição inédita do programa especial neste sábado, dia 7 de abril, às 23 horas, na ESPN Brasil.


Polêmico ex-jogador e militante, Paquetá faz revelações incríveis sobre Guerrilha do Araguaia; veja!
http://espn.estadao.com.br/futebolnacional/noticia/249380_VIDEO+POLEMICO+EX+JOGADOR+E+MILITANTE+PAQUETA+FAZ+REVELACOES+INCRIVEIS+SOBRE+GUERRILHA+DO+ARAGUAIA

segunda-feira, 26 de março de 2012

História da nação ou acerto de contas?


Serra Pelada, Curionópolis (PA) - Myrian Luiz Alves, 2004

João Carlos

"Quando adestramos a nossa consciência, ela beija-nos
 ao mesmo tempo que nos morde."
(Nietzsche)


O cidadão pode aceitar, acomodar-se ou lutar contra um golpe de Estado. Foi o que ocorreu em 1964. Alguns aceitaram, outros se acomodaram a ele tornando-o legítimo. Entendendo- o fascista e entreguista, não o aceitei.

Segmentos democráticos, trabalhistas e socialistas reagiram à ditadura militar, criando, já em 1965, a Frente Popular de Libertação, com diretrizes de resistência armada, que derivou na tentativa de guerrilha na Serra de Caparaó, na divisa de Minas e Espírito Santo.

Outros escolheram a luta armada urbana, com seguidores divididos em numerosos grupos. O Partido Comunista do Brasil optou pela luta em área rural na tripla divisa do Pará, Maranhão e norte de Goiás, hoje Tocantins.

Essas forças defendiam ideologias, políticas e modos de ação diferentes. Agora, a nação quer saber desses acontecimentos, de sua história.

A Guerrilha do Araguaia pretendia criar áreas liberadas, tendo no seu programa promessas de liberdades democráticas e enfrentou as Forças Armadas da ditadura. 

Por ter participado dela, exijo que a tratem com respeito, tendo como bússola as fartas informações existentes dos três lados envolvidos.

Respeito aos fatos e aos envolvidos

O nome nasceu imperfeito, de qualidade intelectual duvidosa, e revela mentalidade primária, até ridícula.

Comissão da Verdade! O termo mostra seu caráter, de querer a nação de joelhos frente a algumas “autoridades” exigentes de mentiras, ditando e distorcendo acontecimentos históricos, não importando os horrores e as dores dos fatos.

Estamos tratando da História do Brasil. É necessário escutar quem dela participou, em seus vários momentos, maneiras e circunstâncias.

Em relação à Guerrilha do Araguaia, espero que chamem para oitiva os que sobreviveram: guerrilheiros, militares e a população local, provas testemunhais que podem ser cruzadas com documentos e outras informações.  Podemos, assim, manter o compromisso com a verdade, mostrando o nosso caráter que em nada tem a ver com a atual política partidária, com a transformação dos poderes em balcão de negócios particulares, ou partidários hegemônicos.

Violentar a verdade é incluir na direção da comissão, cidadãos ou organizações que participaram dos eventos, pois somos partes, impossibilitados de garantir isenção. Também não podem integrá-la pessoas indicadas por questões ideológicas ou políticas.

Os conflitos e guerras são sempre cruéis, mas não podemos machucar a história usando meios furtivos ou direção obliqua. 

                 
A ação do Ministério Público Federal contra Curió

Extremistas fingem esquecer que as forças armadas são instrumento de Estado, mantidas com dinheiro público.

Crimes cometidos por médicos, marceneiros, engenheiros, ou engraxates, não comprometem a categoria, mas o cidadão. Uma nação é construída por indivíduos, alguns heróis e outros covardes, como os combatentes de prisioneiros.

Elementos de corporações militares tornaram-se bandidos, a serviço de um governo fascista. Julguemos a figura emblemática sabendo existir outros torturadores.