domingo, 29 de janeiro de 2012

Se é para se saber, por que não perguntam aos protagonistas dos fatos?


Cel Ydino Sardenberg Filho, quando comandante do 2º GAAAe, em 1980.
 Entre outubro de 1973 e janeiro de 1975, comandou a área sul da contra-guerrilha, no Araguaia

Myrian Luiz Alves e João Carlos


Há quase três anos, o agora denominado Grupo de Trabalho Araguaia, ex-Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), foi criado para cumprir parte da sentença da Justiça Federal sobre a Guerrilha do Araguaia, mais especificamente busca e identificação de corpos.
Já comentamos diversas vezes que há restos mortais exumados daquela região em poder da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal, e de sua Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tutela restos mortais desde 1996. Esse procedimento, sob outro ângulo, pode ser entendido como crime de ocultação de corpos. O país tem instituições credenciadas para identificações humanas.
Como integrante do então GTT, por diversas vezes sugeriu-se a necessidade de ouvir oficiais e guerrilheiros e, ainda, argumentava-se a evidente urgência para isso, até por razões do tempo.
Há poucos dias, esta pesquisa dialogou com o ex-major Idyno Sardenberg Filho, morador da cidade do Rio de Janeiro, atualmente coronel da reserva, ex-comandante do 2º Grupo de Artilharia Antiaérea, em 1980, e oficial de confiança do presidente João Figueiredo, conforme citação do livro A Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari.
Sardenberg afirma que assumiu o comando da área sul da contra-guerrilha na última campanha – outubro de 1973 a janeiro de 1975. A área sul compreendia São Geraldo, Serra das Andorinhas (PA), área dos destacamentos C e B, sob responsabilidade da Base Militar de Xambioá (TO), na divisa com o Pará. A área norte, conta o coronel, ficou sob o comando de Flávio di Marco, com sede em Marabá, e que se estendia à parte da região onde atuava o Destacamento A, São Domingos das Latas, São João do Araguaia (PA). 
Teria sido sua a proposta de descaracterização da tropa regular. “Não se pode combater uma tropa irregular com tropas regulares”, em contraposição à forma adotada pelo general Antonio Bandeira em 1972. No diálogo sobre o contexto do período - guerra fria -, em plena retirada das tropas norte-americanas ao final da guerra do Vietnã -, reforça-se o argumento de que “não se poderia permitir a deflagração de uma zona liberada”, como pretendiam as forças guerrilheiras.
O treinamento dos homens, descaracterizados, que partiram do Rio de Janeiro, ocorreu em Xerém. Sem farda, e de barba, o então major seguiu para o Araguaia e ali instalou três bases. Conta que foi ele quem chamou o major Nilton Cerqueira, responsável pela morte de Carlos Lamarca, em 1971, a participar do combate aos guerrilheiros. 
O coronel diz que nunca admitiu a prática da tortura. Segundo diz, capturados eram encaminhados ao “pessoal da informação” -  das três forças militares e do Serviço Nacional de Informações (SNI). 
Não teria utilizado codinome, sequer de “doutor”. Sorri ao ouvir os codinomes dr. Brito e dr. João, citados por ex-guias que serviram em sua área, e narra episódios de combate e tentativas de convencimento à rendição dos guerrilheiros, em que utilizava megafone.
Dos integrantes das forças guerrilheiras, fala, com convicção, que Raul era dentista (Antonio Teodoro de Castro estudava farmácia), e o chama, às vezes, de Fogoió. De maneira elogiosa, diz que chegou a ver uma maquininha de uso odontológico dos guerrilheiros. 
No GTT, chegou-se a pesquisar que, além de José Huberto Bronca, o guerrilheiro, e ex-estudante de medicina, Elmo Corrêa, pode ter sido chamado de Fogoió, pela população, por ser loiro. O irmão de Elmo, Aldo Creder, contou-me em 2001, que Elmo teria extraído dois dentes José Genoíno, segundo ele próprio lhe contara. Antonio Teodoro tinha os cabelos escuros. Os dois, de mesma altura, cerca de 1.80m, pertenciam ao mesmo destacamento, o B, comandado por Osvaldão. 
O coronel afirma que o guerrilheiro Joca (Libero Giancarlo Castiglia), a quem se referiu primeiramente como bom combatente, não teria resistido. A informação, porém, ainda está no ar. Permanece, por enquanto, a dúvida: se ele, ferido, não resistiu, ainda no caminho para Xambioá, ou, se ainda foi submetido à tortura, já ferido. Falaremos com mais detalhes da situação do caso Joca, entre outros. 
A respeito de Dinalva Conceição Oliveira Teixeira, a Dina, afirma que teria morrido na área da guerrilha.
Disse que, numa ocasião, viajou em um avião no qual havia dois corpos, embalados. Os feridos, afirma, eram levados para o hospital.
Em sua opinião, João Amazonas e Maurício Grabois eram “terroristas”, os demais guerrilheiros, “idealistas”.
Sardenberg, aspirante da Turma Barão do Rio Branco, de 1952, cursou a Escola das Américas e foi também paraquedista. No período da guerrilha, foi subordinado aos generais Hugo Abreu e Milton Tavares de Souza, já falecidos.
Chegou a comentar, superficialmente, que atuou também na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo e comentou o caso de uma "italiana", ocorrido antes da guerrilha, no Rio de Janeiro.
Ele é citado no caso Marilene Villas Boas, então militante do MR-8, e ex-integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segue, abaixo, a citação, copiada do Wikipedia:


"Marilene Villas-Boas Pinto (Rio de Janeiro,8 de julho de 1948 - Rio de Janeiro, 3 de abril de 1971) foi um guerrilheira brasileira, integrante da luta armada contra a ditadura militar existente no país entre 1964-1985.
Descendente do Barão de Nova Friburgo, filha do neurocirurgião Feliciano Pinto e de Avelina Villas-Boas Pinto, ex-estudante de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, sua militância estudantil a fez ser perseguida pelo regime militar, o que a levou a entrar na clandestinidade, passando a integrar a organização de extrema-esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN) e posteriormente o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Seu confronto com as forças da repressão se deu na noite de 2 de abril de 1971, no 'aparelho' ocupado por ela e seu companheiro, Mário Prata, numa rua do bairro de Campo Grande, subúrbio do Rio de Janeiro.
Um cabo pára-quedista morador da rua Niquelândia, naquele bairro, desconfiava do comportamento do casal de vizinhos e levou o caso a seus superiores. Durante o dia, quando o casal se ausentou da residência, homens da Brigada Aeroterrestre entraram na casa e descobriram ser um aparelho. No local, encontraram um arsenal, composto de uma sub-metralhadora, três fuzis, três pistolas, duas granadas e três quilos de explosivos. Por volta das 23 horas, dezenas de agentes tocaiavam a casa quando o casal apareceu, num táxi. O comandante da operação, major José Júlio Toja Martinez Filho parou o táxi e pediu os documentos do casal. Marilene, de dentro dele, abriu a bolsa, puxou um revólver e atirou no militar, matando-o com um tiro no tórax. No tiroteio que se seguiu, Prata foi executado e Marilene ferida.
Entregue pelos militares aos agentes do DOPS, mesmo ferida no tiroteio Marilene foi torturada até ser morta com um tiro no pulmão. Provavelmente, sua tortura e assassinato se deu na Casa da Morte, local clandestino de tortura na cidade serrana de Petrópolis, sendo identificada por outra guerrilheira prisioneira no local, Inês Etienne Romeu, em depoimento dado ao processo do CDDPH no Ministério da Justiça, em 1997. O que aconteceu com Marilene na tortura chocou os pára-quedistas companheiros de Toja. Segundo relataria quatorze anos depois o coronel Idyno Sardenberg, 'os pára-quedistas não tiveram nada a ver com o que fizeram com ela. No caixão, estava arrumada, estava inteira. Mas era enfeite'.
Seu atestado de óbito dá sua morte como 3 de abril de 1971, aos 22 anos de idade, no HCE (Hospital Central do Exército). Seu corpo foi enterrado em caixão lacrado em 5 de abril pela família, no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio, entre provocações de militares à paisana à familiares e amigos. Seu nome hoje batiza uma rua na cidade de São Paulo."

                                                        
Marilene Villas-Boas, militante do MR-8, caso comentado pelo 
cel Sardenberg, disponível no Wikipedia


Nomeações do regime militar podem ser localizadas pela internet

Um dado interessante, encontrado em http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2947121/dou-secao-1-30-01-1974-pg-8. O arquivo traz nomeações feitas pelos ministros militares, algumas “por necessidade”, em janeiro de 1974. Alguns desses militares podem contribuir com a futura Comissão da Verdade. O nome do coronel Sardenberg está entre os nomeados "por necessidade".
Como ele, outros podem fornecer informações contundentes ao cumprimento da sentença. Há vinte anos, depoimentos de militares, policiais e autoridades políticas do período ocorriam normalmente durante as audiências da CPI de Perus. Não havia estardalhaço, nem descumprimento dos ofícios, com exceção de Paulo Maluf, ouvido em sua casa pela comissão, após suas duas negativas terem sido encaminhadas à Justiça. 
É importante lembrar que uma CPI federal, ao longo dessas quatro décadas, poderia perfeitamente cumprir, de maneira legal e com instrumentos já constituídos pelos estado, o que se pretende com a invenção de uma "Comissão da Verdade". Embora pensemos assim, torcemos e contribuiremos, como fazemos neste blogue, para que se (re)conte mais rapidamente a história recente do Brasil.
Já o Grupo de Trabalho Araguaia, em respeito ao erário, deveria gastar um pouco de seu tempo em entrevistas com os que de fato estavam na linha de frente, como é o caso do coronel aqui citado.
Assim como o GTA não convida oficiais do período, tampouco chama os guerrilheiros sobreviventes. Traduzindo, os que protagonizaram as ações históricas são preteridos. 
Lembramos que já postamos aqui fotos, função e período do primeiro e segundo comandantes do 52º Batalhão de Infantaria de Selva (junho de 1973 e 1976). Os dados fazem parte de relatório do GTT, de abril de 2010.

Socorram os restos mortais

O caso Araguaia, insistimos, requer urgência. Em 2012 completam-se 40 anos do início do conflito e o lero-lero dos de sempre já ultrapassou todos os limites da sanidade.
Registramos, ainda, um apelo à presidente da República, Dilma Rousseff: socorra os restos mortais já recolhidos, em poder da Comissão de Mortos e Desaparecidos, da Secretaria de Direitos Humanos, antes que esse pequeno "grupo" de desumanos os escondam ainda mais ou os destruam, até para que não se saiba, publicamente, o desrespeito com que trata não apenas esses despojos e a história do país, mas, principalmente, porque vive do status político e financeiro se (auto) intitulando “representante de familiares de mortos e desaparecidos políticos”.

Abaixo, um pouco mais da hipocrisia e mentira repassadas há anos por esse grupo, que prejudica e assola a história da nação.


Casos mal contados provocam 
diversionismo histórico

João Carlos e Myrian Luiz Alves


Mais uma vez, nos últimos dias da semana, matérias de caráter emocional, porém não aprofundadas, dão sustentação ao que, a nosso ver, fere até mesmo os princípios de liberdade e justiça social então defendidas pelos militantes, em especial os jovens que, então perseguidos e por determinação e escolha, optaram pela luta armada, urbana ou rural.
Essas matérias omitem os feitos e as ações de militantes. Em seu lugar, publica-se apenas o lamento ou a dor, naturais em familiares que perdem seus parentes. Por obrigação moral ou ética, a história do período não pode ser substituída para favorecer outros interesses. A dor familiar é complemento dessas histórias, não pode jamais substituí-las.
Comentaremos os casos Gastone Lúcia Beltrão e  Alceri Gomes da Silva, com suas trajetórias parcialmente contadas em jornais postados, agora, no Facebook. Aos que acompanham o blogue, sugerimos utilizar a ferramenta Google, até para observar como são repetidos, ao longo dos anos, os assuntos referentes a “desaparecidos”. O assunto foi tratado em meio aos 120 dias de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Desaparecidos Políticos da Câmara Municipal de São Paulo, conhecida por CPI de Perus (1990-1991). 

Alceri e Gastone

Alceri, então militante da ALN, morreu em maio de 1970; Gastone, da mesma organização, morreu em janeiro de 1972, ambas em São Paulo. As duas foram encaminhadas ao Instituto Médico Legal, necropsiadas e sepultadas em cemitérios públicos, municipais. O ano de suas mortes diferenciará o destino dos corpos.
Até março de 1971, os mortos não buscados por suas famílias no IML paulistano eram encaminhados, pelo serviço funerário, preferencialmente ao Cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, o maior da América Latina. O líder Carlos Marighella, morto em 4 de novembro de 1969, por exemplo, foi sepultado nesse cemitério, e posteriormente trasladado por sua família.
Portanto, até março de 1971, a maioria absoluta dos mortos do regime militar em São Paulo, na tortura ou em confronto (não entregues ou não buscados por suas famílias no IML), foi sepultada na Vila Formosa, a exemplo de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, também no final de 1969.
A partir de março de 1971, por uma questão de logística – o IML fica na Av. dr. Arnaldo – mortos “indigentes” passaram a ser levados, em sua maioria, para o Cemitério de Perus, periferia da zona oeste. O trajeto era mais direto e já havia as Marginais.
Gastone, então, foi sepultada em Perus. Há foto de seu corpo amplamente divulgada na internet. Aliás, a forma como esse “grupo” de “familiares” divulga fotos de corpos necropsiados beira a barbárie. Qualquer corpo necropsiado causa horror aos vivos, ou temor – e, consequentemente, dor. 


Maior cemitério da América Latina, o de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, recebe
 quase 300 corpos todos os meses. O tempo de permanência é de três anos,
 conforme legislação do estado para cemitérios públicos 

"Desaparecidos" recebem tratamento burocrático

Pergunta-se se pode ser considerada desaparecida uma pessoa cujo corpo passa pelo IML, é fotografado, fichado com informações como, muitas vezes, a de profissão “terrorista”, ou seja, é destacado em relação aos demais mortos por violência, ou acidente, e a tal ficha não foi destruída ao longo de décadas e, ainda, e, finalmente, seu destino foi um cemitério municipal?
A dificuldade de localização para exumação, agora, mais de 40 anos depois, das duas militantes, por exemplo, é evidente: milhares de sepulturas individuais, sem campas, apenas na terra, do humilde e sempre problemático cemitério de Vila Formosa, fundado em 1949, e o de Perus, inaugurado em 1971, também sem campas, criado para abrigar, também, mortos humildes de São Paulo. 
O de Vila Formosa é frequentemente noticiado, geralmente por conta de abandono e descaso do poder público e da própria sociedade. O de Perus foi construído às pressas, sem terraplenagem, como provou a CPI, para agilizar o que pretendia a Operação Bandeirantes (Oban), o sepultamento mais direcionado e mais rápido de “terroristas”. Tudo isso foi demonstrado e provado pela CPI.
Vale registrar: em São Paulo, covas comuns, normais, em cemitérios públicos municipais, abrigam um corpo por três anos, conforme a legislação. Passado esse prazo, é encaminhado a ossários públicos, ou até mesmo incinerado. No caso de Vila Formosa, repleto, o procedimento é comum. Com exceção da quadra 1 de Perus, exumada em massa, que deu origem à Cova Comum, a qual ainda comentaremos, militantes políticos foram localizados na quadra 2, a exemplo de Sonia Moraes Angel e Antonio Carlos Bicalho Lana, em 1991. Vinte anos após sua inauguração, o cemitério de Perus ainda continha áreas livres para sepultamentos, daí o não cumprimento imediato da legislação.
O corpo de Gelson Reicher, por exemplo, foi levado para Perus, com o nome Emiliano Sessa. Ao ver sua foto nos jornais, sua família o resgatou daquele campo santo. Foi sepultado, por fim, no Cemitério Getsemâni. Anos depois, documento do II Exército que mostra a troca proposital de seu nome, aproveitando um documento falso por ele utilizado, foi anexado pela CPI. 
Novamente, pergunta-se em qual país um “desaparecido” recebe tantos registros dentro do aparelho de estado? Lamarca, Marighella, Pedro Pomar, Ângelo Arroyo, José Eduardo Leite, mortos em circunstâncias bastante diferenciadas, não foram "desaparecidos", e eram líderes. Documentos sobre suas mortes também não "desapareceram" dos registros públicos. Procurados, foram localizados.
Mortos do Movimento Popular de Libertação, o Molipo, ao norte de Goiás, foram sepultados em cemitérios locais, a exemplo de Jeová de Assis Gomes, Arno Press e Rui Viana Berbet. Outra informação importante: às vezes, boa parte da família era envolvida na militância, não poderia, assim, apresentar-se para resgate de corpos no IML. Outras vezes, a tortura tentava impedir a busca imediata. Uma das principais razões era a própria prova apresentada pelo cadáver. Um exemplo é o caso Luís Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura, resgatado pela família da gaveta do IML com a ajuda de um delegado amigo.
Alguns casos, como o de Maria Augusta Tomáz e Márcio Beck Machado, do Molipo, executados em uma fazenda de Rio Verde, em Goiás, merecem, entretanto, maiores investigações. 

Desvios da atenção da sociedade prejudicam investigações da Justiça

Ao desviar, propositalmente, o assunto “desaparecimento”, esse grupo de direitos “desumanos” patrocina o recontar hipócrita de histórias já investigadas por instituições e parlamentares que trabalharam com seriedade e respeito, como ocorreu com os vereadores da CPI de Perus, da Câmara de São Paulo.
Desvirtuam, dessa forma, a obrigatoriedade do cumprimento de uma das mais belas sentenças da Justiça brasileira, a dos familiares do Araguaia, com petição de 1982.
Mentem a jornalistas recém-chegados ao assunto “regime militar”, evocam um clima emocional fora de hora e de total desrespeito aos verdadeiros familiares. Tentam tirar do noticiário o cumprimento de uma sentença brasileira para que predomine a versão do manipulado processo impetrado por esse “grupo” junto à Corte Internacional da Organização dos Estados Americanos, combatida, à época, por aqueles militantes que morreram na luta, já que a OEA impôs, por duas décadas, severo boicote econômico a Cuba. 
Finalmente, acrescentamos aqui um parênteses: por incrível que possa parecer, há ciúmes e inveja, tanto entre indivíduos desse "grupo", que se reúne com demonstrações de unidade apenas quando lhe convém, como, principalmente, por disputas ainda atuais de “organizações” a que pertenceram, bem como aos militantes ou lideranças que tombaram. As razões diferenciam-se entre origem, e, especialmente, importância e destaque. 
Diga-se de passagem, é bem grandinho o desrespeito com que se referem ao PCdoB ou à guerrilha, usada por esse grupo para inflar o número de "desaparecidos", mesmo que, para isso, mantenham restos mortais em armários de ministros, como já contado e recontado aqui.Felizmente, embora “desaparecidas” na única área em que houve de fato uma guerra essas pessoas, para o desprezo desse grupinho, deixaram histórias, nomes e endereços no local. E, também, sepulturas.  
Um grupo que manipula, por dentro do estado, corpos e papéis para ganhar ações contra o Brasil. Provoca o retardamento do cumprimento da sentença da juíza Solange Salgado, no caso do Araguaia, para tentar, quem sabe, ganhar mais indenizações.
É preciso garantir o respeito aos mortos, suas histórias e reais amigos e familiares. 
O Brasil não avançará, nesse segmento da área de direitos humanos, enquanto a frivolidade e leviandade com o passado forem garantia para repetitivas nomeações em comissões do presente. 

domingo, 15 de janeiro de 2012

Jurandir – o mistério




João Carlos


A todo momento, a Tia regulava o tempo que levaríamos.
–  Vocês vão chegar à noite, são quatro horas de viagem, e o Paulo vai com o saco pesado.
A Beira era um lugar agradável. Nos dois dias anteriores provei pirarucu, jacaré, peixes miúdos, e me regalei no agradável bosque de bacuri, emoldurado com a beleza do Rio Araguaia.
Caminhamos uns cem metros margeando a cerca de arame farpado que protegia a propriedade.
– Esse é o histórico Caminho do Boi, existe há séculos.
E logo entramos no caminho de terra batida, construído pela passagem sucessiva de pés. Só dava para andar em fila indiana.
– Esse caminho é considerado estrada, e agora não falaremos, é a norma – explicou-me Zé Carlos. No entanto, ele, curioso com o que estava acontecendo na cidade, a todo momento, puxava conversa, corrigindo-se logo depois: – Vamos fazer silêncio.
Um grupo de quatis bem próximo fez uma algazarra. Após atravessarmos um córrego, tomamos café na casa de um morador, cruzamos a Transamazônica e chegamos à Bacaba.
Já conhecia Luís e Landinho, chefe do grupo. Sentado num canto estava o Jurandir. Não era baixo, mas franzino. Esboçou um sorriso com ar desanimado, seus pés estavam enrolados em panos.
–  Jurandir tem bicho-de-pé até à cintura e, às vezes, nas mãos.
Zé Carlos me explicava, enquanto tomávamos banho no igarapé, aproveitando o resto da luz do dia. A situação de Jurandir era a única. Por sua causa não havia rodízio na cozinha, somente ele cozinhava. Comemos arroz com carne de paca e jogamos conversa fora, à luz de lampião, fumando cigarros dos maços que trouxemos da civilização.
De manhã, café com bolo de milho. Zé Carlos saiu com Landinho, e eu segui para a roça com o Luís. No fim da tarde comecei a tirar os bichos- de-pé do rapaz, que ficava repetindo: – eles voltam –, compatível com seu estado de ânimo.
 Depois de mais ou menos um mês, a notícia de que teríamos um treinamento me animou. Metade do destacamento treinaria durante uma semana, depois a outra metade.
Quando Beto estava, tirava os bichos-de-pé com toda calma e eficiência. Ele queria o Jurandir pronto para as tarefas ou qualquer surpresa. E se tivéssemos de nos retirar? Antes de o Beto seguir para o treinamento, fizemos-lhe, juntos, uma boa limpeza, mas ainda ficaram muitos.
Fiquei na Bacaba, com o Jurandir, na primeira semana.
Ainda estava amanhecendo quando acordei. A rede do Jurandir, vazia. Como ele nunca se afastava da cabana, fui ao igarapé e não o encontrei. Procurei-o na pocilga abandonada, tentando surpreendê-lo. Eu desconfiava que ali ele abastecia-se de seus bichos, e nada.
Como a metade do destacamento estava em treinamento, corri para a Beira, levando apenas meia hora. Landinho, que estava mexendo no telhado da casa, desceu espantado, pela minha presença desavisada.
– O Jurandir desapareceu.
– Volta agora para a Bacaba.
Na manhã seguinte, chegam Zé Carlos e Beto de caras amarradas e preocupadas.
– Como foi? Não podia ter acontecido!
E todas as especulações possíveis foram colocadas.
– Como você deixou ele fugir?
– Não sabia que ele era prisioneiro – respondi.
Fiquei vigiando a cabana. Nos dias seguintes, o movimento era de retirada, catamos as galinhas, para o Zebão levar. Mais alguns dias, passaram o Mário, a Tia, a Regina,  Zebão e Landinho.
Regina estava muito debilitada. Ela estava para sair da área. Era de cortar o coração vê-la dormir no aceiro da roça. Em nossas respectivas redes, ficamos de mãos dadas. Dias depois, Zezinho armeiro aparece montado numa mula, de chapéu e cartucheira. Tinha quase certeza que era ele, pela descrição feita pelo Landinho que muito o admirava, como artesão e amigo.
Deixei-o passar e o surpreendi com a espingarda 32 engatilhada e o revolver na mão.
Ele riu e apeou.
– Eu sou o Zezinho.
– Quem é que tu conheces daqui?
Sem perder o humor, disse os nomes de Landinho e Beto.
– Quem fez o telhado de tronco de Bacaba dessa casa fui eu também.
Tive certeza de ser ele mesmo.
Ficamos conversando por umas duas horas. De repente, com displicência, ele disse:  – Você tem que ir para a Beira.
Dias depois, segui para o Peazão  com três animais carregados de arame farpado, e outros variados teréns.
Nesses quarenta anos, Jurandir ou seus bichos-de-pé nunca foram comentados pelo partido ou pelo histórico da guerrilha.
- Quem é Jurandir?

Nação, histórias e personagens


Dona Leonor, com Paulo Roberto no colo. Interior de Minas, anos 40


Myrian Luiz Alves

Dona Helena Pereira, mãe de Cazuza (Miguel Pereira dos Santos), presidia o Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No início dos anos 90, a CPI de Perus, da Câmara paulistana, era a esperança dos que desejavam, com sinceridade, saber dos destinos de militantes de esquerda, sumidos ou mortos duas décadas antes. Dona Helena era, então, uma das mães cujos filhos são "desaparecidos" na Guerrilha do Araguaia.
Com ela, moradora das cercanias da Av. Paulista, conheci Édila Pires, prima de Cilon da Cunha Brum, o Simão, também da guerrilha. Gaúcho de São Sepé, Cilon fora estudante de economia da PUC de São Paulo. Gago, não apresentava esse detalhe nos discursos que fazia no movimento estudantil. Já alto funcionário de uma agência de publicidade gaúcha, em São Paulo, de vez em quando fazia compras de roupas para enviar a uma parente dona de boutique em sua cidade.
Édila, também do GTNM, representava a família, na busca de Cilon.
Amiga da irmã de João Carlos Haas Sobrinho, Juca, esteve em praticamente todas as expedições ao Araguaia, até 2001. Testemunhou as exumações feitas pela equipe argentina e descobriu o paradeiro de dona Petronilha, esposa do coveiro que sepultou Juca. O apontamento ocorreu em 1996, durante a expedição da própria Secretaria de Direitos Humanos. Não foi convidada, porém, para participar da retirada de restos mortais na Reserva Indígena Suruí, dos quais, vez ou outra, voltaremos a comentar.
Com dona Helena e Édila tomei muito café, acompanhado de romeu e julieta. A amizade com Édila permanece. Dona Helena partiu ainda nos anos 90 sem saber de seu filho, a quem amava profundamente. Rasgava-lhe elogios por seu carinho e gestos de amor, como preparar-lhe pratos especiais.
Mas, pessoas hoje enrustidas em determinado grupo, do qual sempre falamos, ironizavam a mãe de Cazuza, pelas costas: "Dona Helena, nunca mais".
Foi nesses momentos que percebi a falsidade e os interesses que giram nesse grupinho. Hoje, fazem o mesmo com militares do Exército e pesquisadores, no sudeste do Pará. São essas pessoas que retiram corpos para omiti-los em Brasília, processam o Estado, mentem a ele para alcançar "direitos" sem fim.
Em 1993, o Relatório da Marinha forneceu datas de prisão e morte de militantes. Já o citamos aqui e voltaremos a comentá-lo.
Hoje, mencionamos os casos Cilon, Teodoro e Paulo Roberto, respectivamente, Simão, Raul e Amauri. É importante lembrar que o ex-soldado Adolfo Rosa, irmão do cabo Rosa, morto no Araguaia, serviu na Base de Xambioá. Ali, fez guarda para o prisioneiro Simão. A informação consta do livro de Taís Morais e Eumano Silva, Operação Araguaia. Registro que a denúncia do soldado foi testemunhada por mim, em Belém, durante entrevista feita por Taís.
Dona Leonor, mãe de Paulo Roberto, é uma das mães com quem convivi. Seu filho, com o codinome de Amauri, "farmacêutico" na Palestina e Santa Cruz, é um dos mais citados nos relatórios militares de 1972. Nas mãos de um militar, vi o depoimento de Glênio Sá, que cita AMAURI DE AZEVEDO SIQUEIRA a todo momento, dando-lhe responsabilidade em várias ações. Amauri substitui José Genoíno no comando do Grupo Gameleira (Dst B). É extremamente querido na região, inclusive por vários guias, como Abelinho, tratado por ele na Palestina. Abelinho jura de pé junto que Amauri teria morrido no "chafurdo" do Natal de 1973.
Embora Amauri seja famoso, o Relatório da Marinha não o cita. A Força Aérea diz não saber de quem se trata, no caso, com o nome real de Paulo Roberto, e o Exército mantém informações falsas de filiação.
No entanto, uma testemunha apareceu em 1996, em Xambioá, e afirmou ter visto Amauri, cercado por oito militares, já ferido na perda, ser alvejado por um tiro no crânio, desferido por um major. O coronel Lício Ribeiro Maciel, em depoimento de 2010 à Justiça Federal, contou que Amauri teria sido sepultado no cemitério de Santa Isabel, área próxima à Santa Cruz. Alguém perguntou-lhe algo mais a respeito, após essa afirmação? Não. O assunto mudou de rumo.
Nos casos Cilon e Teodoro, a mesma "denúncia", da Marinha: teriam sido mortos durante ataque de terroristas quando conduzidos por militares. A data: 27 de fevereiro de 1974. Alguém perguntou à Marinha como ela teria essa informação? Não. Ou como, um grupo minguado e sem armas de guerrilheiros ainda ousaria atacar uma equipe? Não atacavam sequer nos tempos de combate, porque agiriam assim contra prisioneiros? De qualquer forma, nenhuma pergunta foi feita e até hoje sequer o Grupo de Trabalho Araguaia, formado para cumprir uma sentença federal, pediu as folhas de alteração de militares relativas às datas citadas pela Marinha.
Documento agora revelado, em poder do Ministério da Defesa, afirma que Paulo Roberto também teria morrido em 27 de fevereiro de 1974. Foi um fuzilamento triplo? Três moços altos e do destacamento do comandante Osvaldo? Exibição covarde de poder? Ainda falaremos de casos semelhantes.
Resolvemos abrir 2012 com essas situações de prisão e assassinato, e uma de sumiço da qual nunca se fala (ver texto de João Carlos, Jurandir - o mistério) porque é disso que se trata: crime de guerra. Não cremos que interesse às forças armadas, às instituições, manter no anonimato homens covardes, talvez seja essa a razão de a Marinha ter fornecido datas de prisão e morte ao então Ministro da Justiça de 1993, que as repassou aos deputados da então Comissão Externa, origem da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dirigida internamente pelo mesmo grupo aqui várias vezes comentado.
Então, perguntamos:

. O que realmente querem essas pessoas?
. Por que utilizam a dor de mães já octagenárias e de outras que sequer continuam entre nós?
. Por que todas as vezes em que se avança nas investigações inventam outras fórmulas?
. Por que uma Comissão da Verdade, 40 anos depois, e não uma CPI federal durante todos esse período, já que uma municipal ouviu todas as autoridades chamadas?
. Quais são os militares protegidos por essas pessoas?
. Por que nunca abriram processo contra Sebastião Curió, por exemplo, de quem tanto se fala, foi prefeito, deputado e nunca escondeu sua participação na guerrilha e o que usufruiu a partir dela.
. Qual o relacionamento do então sargento Joaquim Artur, ou Ivan, com pessoas ligadas à esquerda. Qual foi sua real importância como agente?
. Por que familiares ou representantes do PCdoB conseguem conviver amigavelmente com cortadores confessos de cabeças de guerrilheiros do Araguaia, ao mesmo tempo em que menosprezam, hoje, instituições de Estado, como o Exército?
. Por que pessoas que têm interesse histórico ou criminal, como o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, são afastadas ou "queimadas" durante períodos de investigação?
. Por que o domínio de apenas um pequeno grupo de "representantes de direitos humanos" no Executivo, Legislativo e até mesmo junto ao Ministério Público?
. Por que algumas dessas pessoas, também inseridas em direções de organizações não governamentais, recebem apoio financeiro do estado e da Fundação Ford para contarem a mesma historinha, vitimizando quem jamais participou da luta contra o regime?
. Por que uma ação contra o Brasil, como a da OEA, é regojizada por esses representantes com todo o apoio do Poder Executivo, autoridades e jornalistas que sabem do vício de processo?
. Quem é morto, na tortura ou em combate, e teve seu corpo registrado por fotografias, em documentos de Instituto Médico Legal ou em relatório militares, foi visto por testemunhas, prisioneiro, moradores ou militantes, e foi enterrado em cemitérios municipais é desaparecido?
. Por que essas mesmas pessoas conduzem, sem a participação de instituições e autoridades responsáveis - e sem cadeia de custódia -, identificações humanas quando relacionadas a militantes políticos?
. Juca foi exumado em 1996, como afirmam documentos e testemunhas do período? Se foi, onde está seu corpo?
. O que é, afinal, no Brasil, "desaparecido político"?
. Ou será que a heróica atuação dos militantes de esquerda dos anos 60 e 70 serve para encobrir os atuais descalabros na gestão pública?


Não apenas dona Leonor, dona Helena, os irmãos de Cazuza, de Amauri, Simão, Raul e tantos outros querem saber de seus parentes. A história do país quer contá-los. É à nossa história seu real pertencimento. Respeitamos a saudade e o sofrimento provocado pelo descaso, assim como respeitamos todos os que decidiram seus próprios caminhos e dedicaram-se à construção da nação. Nosso respeito estende-se às famílias de militares e civis que tombaram em meio ao clima beligerante do período. Todos são participantes da história do País e seus nomes e histórias devem ser conhecidos.
Saber trajetórias e destinos e tudo a isso envolvido, é isso o que queremos, como afirma o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em texto de Merval Pereira, em O Globo (abaixo).
Torcemos para que, desta vez, possamos saber mais.

                           
2 – AMAURI DE AZEVEDO SIQUEIRA  “AMAURI” 
  (Dst B – Gp GAMELEIRA)

    (grafia original em álbum militar, outubro de 1972)

             
Antonio Teodoro de Castro – Raul

. JAN/70, cursava o 4º ano de farmácia da UFRJ em 1971. Ativista ligado ao PCdoB. Foi para o campo em meados de 1971.
. FEV/74, foi morto durante ataque de terroristas, à equipe que o conduzia. A ação teve característica de  “Justiçamento”.
. NOV/74, relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em 27 FEV 74 (Marinha).

                                             
Cilon da Cunha Brum – Comprido/Simão

. SET/73, era o Chefe do Grupo Castanhal do Destacamento B. Fez parte do  “Grupo de Assalto”  com outros companheiros no treinamento de emboscada. Participou de um combate próximo a Couro Dantas com elementos do EB resultando em um morto e um ferido. Fez treinamento de sobrevivência, deslocamentos através de campo, tiro e executou trabalho de aliciamento na região de Couro Dantas.
FEV/74, foi morto por terroristas quando era escoltado, tendo a ação características de “justiçamento”.
. NOV/74, relacionado entre os elementos que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em 27 FEV 74 (Marinha).




Informações sobre Paulo Roberto:


Paulo Pereira Marques - (Paulo Roberto P. Marques) - Amauri
Filho de João Marques da Silva e de Judith Pereira da Silva, nascido no dia 1 Jun 49, em SENHOR DO BONFIM/BA (Centro de Inteligência do Exército).

Não existem registros sobre pessoa com esse nome (Força Aérea Brasileira).


O Globo, 8 de julho de 1996:

"Na ultima sexta feira, os peritos já haviam encontrado a primeira ossada desde que foram iniciadas as escavações na região do Araguaia. Segundo o comerciante Manuel Ferreira do Nascimento, a ossada é do guerrilheiro Paulo Roberto Pereira Marques, o Amauri.
 "A calça listrada azul é a mesma que o Amauri usava e ele foi morto com um tiro do lado esquerdo do cranio, e as imagens da televisão mostraram a fratura nesse mesmo lugar" afirma o comerciante, que diz ter identificado a ossada como sendo do Amauri depois de ter visto as imagens no 'Jornal Nacional'".


Lucas Figueiredo à Maria de Fátima, irmã de Paulo Roberto:

Página 719: "A equipe surpreendida no Vale da Gameleira (região do Araguaia) pertencia à 8ª RM, que, como responsável pela área, julgara-se no deer de substituir os elementos de outros comandos que atuvam na região. Comandada por um tenente, essa equipe era composta ainda por dois sargentos e um cabo. Substituíra na noite de 7 para 8 de maio uma experiente equipe de informações que ali estava com a missão de aprisionar o grupo subversivo liderado por "Amaury"  (Paulo Roberto Pereira Marques)." (Informação do livro Orvil)


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Conciliação II


14.01.2012


O Globo - Merval Pereira 


Ninguém quer, como afirma Werneck Vianna, “rasgar a Lei da Anistia”, e sim reinterpretá-la de acordo com as necessidades do Brasil do século XXI, diz Alencar, alegando que “até a Corte Interamericana dos Direitos Humanos entende assim. Isso é avanço civilizatório e não anacronismo”.


Na visão de Chico Alencar, o crime da tortura e do desaparecimento de presos políticos “é hediondo e imprescritível. Ninguém pode ser conivente com ele, e vários que ascenderam hierarquicamente no serviço público, sobretudo militar, e na vida política, foram praticantes ou cúmplices — até por omissão — desses atos abomináveis”.


O deputado do PSOL diz que quando se alega que também houve prática ‘terrorista’ por parte daqueles que se insurgiram contra a ditadura, igualando-os aos torturadores, “omite-se que estes agiam, sem legitimidade para tanto, em nome do Estado, sobre pessoas já imobilizadas, e aqueles pagaram seus atos com prisão, sevícias cruéis, banimento, morte”.


Respondendo a Werneck Vianna, ele diz que “passado não é apenas o que passou, mas o que, sendo devidamente lido e relido, nos constitui”.


Segundo ele, “o que nós queremos é conhecer quem torturou, quem ordenou a tortura, quem montou a estratégia da violência oficial contra opositores, quem a financiou, quem praticou atos tão covardes que nem mesmo o regime, embora os tenha organizado ‘cientificamente’ e exportado seu ‘know how’ para governos obscurantistas vizinhos, os assumiu”.


O que queremos, diz o deputado, “é que as novas gerações da hierarquia militar não se solidarizem com processos espúrios que só desonraram seus estamentos”.


Que corporativismo é esse que assume como seu “patrimônio” práticas que atentam contra os mais elementares direitos dos homens e dos animais?, pergunta Chico Alencar.


O que o deputado do PSOL defende é que “as famílias que não tiveram sequer o direito de sepultar seus entes queridos, ou que viveram o drama indizível de sabê-los nas masmorras sofrendo todo tipo de violentação, conheçam seus algozes para usar, se desejarem, o direito de acioná-los judicialmente”.


Ele lembra que, na África do Sul, muitos “dos que ainda estão vivos e conscientes” tiveram “a hombridade de reconhecer que praticaram atrocidades, caminhando assim para o que em direito se chama de ‘arrependimento eficaz’”.


Chico Alencar acha que “nossa gente precisa reverenciar é a luta daqueles que nos trouxeram a democracia, mesmo com suas limitações atuais, inclusive os jovens que pegaram em armas contra o fascismo brasileiro, em inglória batalha”.


Ele lembra que, ao contrário de Werneck Vianna agora, “todos os que resistiram ao arbítrio pela via exclusivamente institucional reconhecem a coragem histórica dessa geração e seu papel na redemocratização — a começar por Ulysses Guimarães”.


Alencar acha que a chamada ‘transição pelo alto’, pactuada, negociada, “só aconteceu também porque alguns colocaram suas próprias vidas em risco para romper o círculo de ferro do regime militar”.


Na coluna de ontem não fiz referências explícitas a algumas pessoas que tiveram papéis importantes no processo da anistia.


Terezinha Zerbine foi a primeira pessoa a organizar a luta em prol da anistia através do MFA — Movimento Feminino pela Anistia, em 1975. E, em fevereiro de 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), do qual a presidente fundadora foi Eny Moreira.


Também o médico Leo Benjamim, filho de Iramaya Benjamim, sucessora de Eny Moreira no CBA, enviou mensagem onde destaca que foi lá que surgiu o slogan “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, dando um cunho nacional ao movimento iniciado por Terezinha Zerbini.


O historiador Carlos Fico, por sua vez, lembra que “mesmo a D. Terezinha Zerbini escreveu uma carta ao Dr. Ulysses pedindo que o “MDB autêntico” não obstruísse e votasse o projeto do governo evitando “uma inútil e contraditória confrontação”.


A carta está no Arquivo do CPDOC. Acho que não foi divulgada na época.

Tédio


                                                


Desenho de Paulo Roberto Pereira Marques (Amauri), 1966


No retorno ao blogue, neste início de 2012, incluímos, abaixo, alguns textos de imprensa. O objetivo é a reflexão. 


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Manual manda assessores no Acre
retuitarem governador Tião Viana

Um dos 42 itens do texto entregue a assessores de imprensa diz:
"Dê RT no @tiao_viana”

13/01/12 - O Globo - Leonardo Guandeline

SÃO PAULO – Um manual distribuído a assessores do governo do Acre manda os funcionários retuitarem o que o governador Tião Viana (PT) postar no microblog. Nomeado “Orientação para uso institucional das redes sociais pelas Assessorias de Governo” e elaborado pela Secretaria de Estado de Comunicação (Secom), o manual tem 4 páginas e 42 “mandamentos”, entre eles o de número 21, que diz “Dê RT no @tiao_viana”.

Programa de planejamento familiar é motivo de piada no Acre

No Acre, alguns subordinados costumam seguir à risca os pedidos do governador. Nesta semana, o lançamento de um programa de planejamento familiar virou motivo de piada no estado. Na ocasião, o governador e médico Tião Viana (PT), pai de três filhos, discursou dizendo que optou pela vasectomia e incentivou os homens acreanos a fazerem o mesmo. O pedido foi acatado prontamente por pelo menos três assessores, que se submeteram ao procedimento nos últimos dias, segundo a imprensa local. No Twitter, um dos assessores ganhou fama de “puxa-saco”. O blogueiro Altino Machado foi além, dizendo que “no Acre, não basta puxar saco. É necessário cortar o próprio saco”.
Dentre os demais itens do manual ganham destaque o “unidade no discurso é fundamental (número 15)” e “fique atento aos horários de pico do twitter (10h-12h e 16-18h)”, este último o de número 17.
O item 4, utilizado pela assessoria de comunicação do governo acreano para justificar o polêmico retuíte, diz: “Entende-se por uso institucional, no âmbito da Administração Pública do Acre, o uso de ferramentas sociais colaborativas em nome do órgão, instituição ou programa” do estado. Ainda de acordo com a assessoria de imprensa, o material foi distribuído somente a assessores de comunicação de secretarias, autarquias e outros órgãos ligadas ao governo acreano, e elaborado a partir de várias reuniões com os mesmos funcionários.
A Secretaria de Estado de Comunicação informou que, ainda nesta sexta-feira, publicará uma nota de esclarecimento e um adendo para esclarecer o item 21. Em cópia enviada ao GLOBO, um novo texto esclarece a dúvida: “Dê RT no @tiao_viana (quando o mesmo divulgar informações relacionadas as ações de governo)”. A pasta reiterou, ainda, que um manual de governo similar é encontrado em várias partes do Brasil.
No site da Câmara dos Deputados, por exemplo, é possível encontra o “Código de Conduta para Uso do Contas Institucionais em Redes Sociais”, elaborado em junho passado. O manual, no entanto, não fala sobre retuítes, mas recomenda que “O conteúdo publicado deverá ter enfoque de cunho institucional, sendo vedada a publicação de opiniões pessoais” e que “No caso do Twitter , o perfil institucional somente seguirá outros perfis da esfera pública.”
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Coreia do Norte estaria punindo
quem não chorou por ditador

Pelo menos 6 meses em campos de trabalho forçado para quem não pareceu autêntico

13/01/12 - O Globo 

Moradores de Pyongyang reagem à morte de Kim Jong-il, em foto de 19 de dezembro de 2011

Reuters/Kyodo

SEUL - Durante dias, o mundo inteiro assistiu, intrigado, à onda de histeria coletiva que tomou milhões de norte-coreanos após o anúncio da morte de Kim Jong-il, no mês passado. Cenas como desmaios em praças de Pyongyang e do choro convulsivo de milhares de mulheres diante de monumentos em homenagem ao Querído Líder invadiram os jornais — oficiais ou não — enquanto muitos se perguntavam o motivo de tanta tristeza pela morte de um ditador que teria mergulhado o país num dos maiores episódios de fome de sua história.
Mas a resposta pode estar numa reportagem do jornal sul-coreano "Daily NK", publicada nesta sexta-feira: os norte-coreanos que não participaram das homenagens — ou não foram convincentes na demonstração de tristeza — estariam sendo enviados a campos de trabalho forçado por no mínimo seis meses.
Segundo a reportagem do jornal, escrita com base na declaração de uma fonte da Coreia do Norte não identificada, o governo está organizando "sessões de críticas" para aqueles que transgrediram as normas durante as homenagens.
- As autoridades estão impondo uma pena de pelo menos seis meses em campos de trabalho pra qualquer um que não tenha participado das concentrações organizadas durante o período de luto ou para quem participou mas não chorou e não pareceu autêntico - diz a fonte ao jornal.
O número de pessoas afetadas não foi esclarecido, mas poderia chegar a milhares, de acordo com o "Daily NK". Atualmente, estima-se que mais de 200 mil norte-coreanos trabalhem em campos — onde em geral sofrem de má nutrição.
O regime também teria reforçado a propaganda oficial, para convencer a população da "grandeza do novo líder, Kim Jong-un".
— Todos os dias, das sete da manhã às sete da noite, carros em avenidas lotadas divulgam por alto falante propaganda do governo, e proclamam os feitos de Kim Jong-un — continua a fonte.
O norte-coreano citado pelo jornal acrescentou que as pessoas que estão sendo acusadas de espalhar rumores criticando a terceira geração da dinastia também estão sendo enviadas aos campos ou estão sendo banidas com suas famílias para áreas rurais remotas. As recriminações pelo comportamento "inadequado", afirma, estão criando uma atmosfera de medo.
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Cientista político americano cria
manual para ditadores

Autor de 'The Dictator's Handbook', Bruce Bueno de Mesquita diz que o interesse pessoal, e não o bem comum, é o que move um governante

14.01.2012

Revista Veja - Carlos Graieb

Xadrez, dizia o humorista Millôr Fernandes, nada mais é do que "um jogo chinês que ensina a jogar xadrez". Da mesma forma, para os cientistas políticos americanos Bruce Bueno de Mesquita e Alastair Smith a política "nada mais é do que um jogo praticado pelos governantes". Há 20 anos, os dois vêm usando as ferramentas da estatística, do cálculo e da teoria dos jogos para registrar os padrões de comportamento e - em uma palavra - as regras que comandam a conquista e o exercício do poder. Autores de alguns tijolões acadêmicos, eles acabam de publicar um volume dirigido aos leigos para expor os seus achados. O título é provocador: The Dictator's  Handbook (O Manual do Ditador). Segundo o livro, quem deseja entender - ou mesmo prever - as ações de um dirigente em qualquer tipo de organização, inclusive as empresas, deve ter em mente uns poucos fatos. Primeiro, que o interesse pessoal, e não o bem comum, é mesmo o motor principal das ações de um governante, e deixar de levar isso em conta conduz a conclusões equivocadas. Em segundo lugar, que o papel das ideologias é muito menos relevante do que se costuma pensar, ao passo que fatos em geral pouco realçados pelos analistas - o tamanho do eleitorado que permite a um líder chegar ao poder, e o tamanho da coalizão que lhe permite exercê-lo - são na verdade a chave para desvendar quase todos os segredos da política. "Não é errado dizer que nossa abordagem resulta num retrato cínico, ou seja, sem ilusões, da realidade", diz Bueno de Mesquita. "Mas testamos nossas hipóteses há muito tempo, e acreditamos ter formulado o núcleo de uma teoria geral da política." Leia a seguir trechos da entrevista que o professor da Universidade de Nova York concedeu ao site de VEJA.

Como alguém pode tornar-se um ditador? Em primeiro lugar, ninguém, nem mesmo os maiores tiranos, tem poder absoluto, a ponto de não depender de um certo número de apoiadores. O tamanho desse grupo, que chamamos no livro de coalizão vencedora, é o principal fator que distingue os regimes fechados dos regimes abertos. Se o grupo de pessoas de quem você depende para se manter no poder for pequeno, então lhe será possível - e na verdade bem mais eficaz - governar oferecendo recompensas somente a quem interessa, praticando e aceitando a corrupção. Quanto maior for esse grupo, mais difícil será "comprar" todos os que podem influir no seu futuro político, e então começa a fazer sentido para você investir em políticas públicas. Essa é a verdade fundamental - mas há uma poucas regras complementares que os aspirantes a ditador precisam ter em mente. (Consulte a lista abaixo para conhecer os cinco mandamentos do Manual dos Ditadores)

Onde as pessoas mais erram ao pensar sobre política? Ao escolher um governante por causa de suas belas palavras, de suas "qualidades" pessoais, de suas idiossincrasias.
Quem entra no jogo da política está preocupado, antes de mais nada, com sua própria sobrevivência e com seu próprio bem estar, mais do que com o bem estar das pessoas a quem representa. Por isso o mais importante são as instituições. Quando as instituições determinam que o governante precisa do apoio de muitos não só para chegar, mas também para manter-se no poder, então aumentam as chances de que políticas que beneficiam a todos sejam implementadas. Os regimes democráticos também têm as suas falhas. Quanto mais democrático um país, mais imediatistas serão os seus líderes, pois o “longo prazo” é apenas a próxima eleição. Mas isso não elimina o fato básico de que, nas democracias, é do interesse do líder escolher o que também é melhor para as pessoas. É o empuxo das instituições que nos permite ser otimistas em política, e não a bondade dos candidatos a um cargo público.

Esse não é um modo um tanto cínico de olhar a "natureza humana"? Ah, com certeza. Mas veja que eu ainda pude falar em otimismo. E o fato de os pressupostos da teoria serem "cínicos" não a torna menos verdadeira. Já usamos ferramentas analíticas há 20 anos para provar que ela faz sentido. Usando cálculo e estatística testamos quase todas as partes da teoria em inúmeros países, no mínimo com dados dos últimos vinte anos, e sempre que possível retrocedendo a vários séculos. Nós aplicamos nossas idéias a Roma, à Grécia, aos povos da Bíblia - e as coisas se encaixam. Usamos cálculo para identificar quais são os níveis ótimos de cobrança de impostos, oferta de bens públicos como educação e saúde, tolerância à corrupção e clientelismo, e assim por diante, levando em conta nossos fatores básicos, como o tamanho do eleitorado e da coalizão vencedora.

O Brasil discute atualmente a mudança em seu sistema de votação. Qual a influência dos sistemas de voto na vida de um país? Grande. O voto proporcional, por exemplo, leva à existência de muitos partidos, o que pode dar poder desproporcional a legendas pequenas, das quais pode depender a formação de uma maioria. Vemos isso o tempo todo em Israel, onde partidos religiosos nanicos obrigam quem quer que esteja no poder a levar em conta suas demandas. Por isso é tão difícil, por exemplo,  barrar os assentamentos em territórios ocupados e fazer avanços significativos na direção da paz com os Palestinos. O voto distrital tem efeitos inversos. A longo prazo, costuma levar a um sistema bipartidário. Por isso é, sim, importante, discutir sistemas de votação - embora nenhum deles seja imune a defeitos e manipulações. Gosto de citar o caso da Tanzânia, um país que realiza eleições livres, regulares e limpas - que sempre têm o mesmo partido, o CCM, como vencedor. Isso acontece porque a Tanzânia tem 17 partidos políticos, todos alimentados com recursos públicos. Nesse cenário de fragmentação, o CCM consegue vencer com uma proporção relativamente baixa de votos - e ainda pode direcionar dinheiro para os partidos que resolvam fazer parte da sua coalizão. Creio que algo parecido está prestes a acontecer no Egito. A Irmandade Muçulmana, cuja representatividade é de aproximadamente 20% da população, parece ter descoberto o segredo dos sistemas eleitorais – ou seja, que há fórmulas de votação que lhe permitirão tomar conta do poder sem que para isso tenham de recorrer aos mecanismos clássicos de uma ditadura.

O ano de 2011 foi ruim para muitos ditadores. Por que Kadafi, por exemplo, caiu? Por que, nos nossos termos "cínicos",  foi ingênuo e cometeu erros. Em 2005 a Freedom House, uma organização que monitora as liberdades civis no mundo, pôs a Líbia no fim do seu ranking de liberdade de imprensa entre os países da mesma região. Em 2010, a situação havia se invertido: só o Egito tinha uma imprensa mais livre na vizinhança. Isso permitiu que as pessoas se organizassem. Em segundo lugar, os líbios têm, em média, dois anos mais de escolaridade do que seus vizinhos. Kadafi educou sua população mais do que seria prudente para os seus próprios interesses. Em terceiro lugar, ele tentou mudar sua imagem nos últimos seis ou sete anos, reduzindo o nível de opressão política. Ele permitiu que as pessoas se organizassem e reduziu o custo de se opor ao governo. São erros graves! E deu no que deu.

Bashir al Assad, da Síria, conseguirá se manter no poder? Dificilmente. O seu problema é clássico. Como tantos ditadores, ele depauperou a economia do país e agora está sem dinheiro para comprar a lealdade do exército. Ele ganhou tempo porque recebeu recursos do Irã, do Iraque e da Venezuela. Foram cinco bilhões de dólares dos dois primeiros países, além de promessas de comércio ampliado em 2012, e investimentos venezuelanos numa refinaria de petróleo. Essa injeção de dinheiro permitiu que Assad continuasse a pagar os militares e lhe deu alento num cenário de rebelião. O problema é que Irã, Iraque e Venezuela têm sérias crises internas e dificilmente vão manter a ajuda a Assad. Se o fluxo de dinheiro cessar, as defecções no regime, que já vêm acontecendo, vão ganhar impulso. Assad está encalacrado. Se tentar fazer reformas profundas para aplacar as ruas, seu apoiadores diretos vão querer matá-lo – pois o dinheiro sairá do bolso deles. Assim, o mais provável é que ele esteja engordando uma conta secreta na Suíça e estudando a sua melhor rota de fuga.

O que a sucessão na Coreia do Norte ensina sobre as ditaduras? Assim como os reis descobriram no passado as virtudes – para si próprios – dos sistemas dinásticos, os ditadores descobriram a lógica da hereditariedade. A chave para a sobrevivência de um regime ditatorial num momento de transição é, literalmente, a chave do cofre. O sucessor precisa saber onde está o dinheiro para comprar sustentação ao seu mando (entre os militares em primeiro lugar). A transição hereditária reduz muito esse problema. Não há dúvida de que Kim Jong Il informou Kim Jong Un sobre onde estava o dinheiro – ou seja, deu-lhe de mão beijada a ferramenta indispensável para manter a lealdade de uma coalizão que, de outra forma, poderia querer derrubá-lo. O mesmo ocorreu na Síria. A lição é que “ditaduras dinásticas” são uma das maneiras mais eficientes de perpetuar um regime.

Há quem elogie ditaduras como a de Fidel Castro por suas políticas de saúde ou educação. Isso faz algum sentido? Não, isso não faz sentido. Quanto mais longa uma ditadura, maior será a erosão dos indicadores sociais. Sim, é verdade que Cuba tem hoje em dia taxas baixas de mortalidade infantil. O "problema" é que em números absolutos  as taxas de mortalidade melhoraram em quase todos os países do mundo nas últimas décadas, dados os avanços na área da medicina. E quando você vai consultar as estatísticas, percebe que antes de Castro a situação relativa de Cuba era muito melhor - o país estava à frente da França e da Bélgica nesse quesito – e hoje está muito atrás. Falemos agora de educação. A taxa de alfabetização de Cuba, como a da Coreia do Norte, está próxima de 100%. Mas por que um ditador não quereria uma população  alfabetizada? As pessoas precisam saber ler instruções. Quando falamos de política educacional, o que precisa ser observado são os dados do ensino médio e superior. Há vários rankings de universidades internacionais. Se você os analisar, verá que Cuba não consta deles. Na verdade, os únicos países não-democráticos que têm universidades entre as melhores 200 do mundo são China e Singapura. E são pouquíssimas universidades chinesas – se não me engano, só 3. A Rússia, com toda a sua notável tradição cultural, não tem nenhuma universidade nesses rankings. Essa foi a herança do regime soviético. Por que o que os ditadores não querem são pessoas capazes de produzir conhecimento indepentemente. Existe essa mitologia sobre o regime de Castro. Mas pesquise os dados reais e você verá que, comparativamente, a população estava melhor antes dele. Isso não é ideologia, não é propaganda. São estatísticas da ONU.

Para que serve o jargão da esquerda e da direita, das ideologias? Para as pessoas se orientarem na leitura dos jornais, mas não para explicar a realidade. Veja a campanha presidencial americana. Os republicanos falam de mercado livre e governo limitado, democratas falam de seguridade social e mais impostos, e assim por diante. Olho para essa conversa e penso: os republicanos querem cortar benefícios daqueles que, inconvenientemente, votam nos democratas, e vice-versa. Um político quer tirar recompensas de quem se opõe a ele, e dá-las a quem o apoia. Não precisamos de ideologia para explicar esse comportamento.

Dos pensadores clássicos da política, quais, a seu ver, se aproximaram mais da verdade? Maquiavel e James Maddison. Hobbes, Montesquieu, Rousseau, Platão, Aristóteles - todos tiveram intuições geniais, mas ficaram longe de formular uma teoria geral da política, que é o que nós pretendemos oferecer. Repito: não estou diminuindo a genialidade desses pensadores, não julgo que sou mais inteligente que eles. Mas temos muito mais informação do que eles tinham, e ferramentas analíticas muito mais poderosas. Ora, Maquiavel não podia usar cálculo... É curioso como as pessoas se ofendem com isso. Na Física, não há problema em dizer que Newton, apesar de seu gênio, só foi capaz de avançar até certo ponto. As pessoas estão prontas a admitir que o uso de ferramentas matemáticas que vieram depois faz a diferença. Mas quando se estuda política dizer essas coisas ainda soa como heresia.
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Entre quatro paredes

15.01.2012 - Renata Lo Prete, Folha de S.Paulo

Dilma Rousseff iniciou o ano determinada a combater o vazamento de informações do governo. Aboliu até as reuniões diárias de "briefing", nas quais discutia com ministros palacianos os temas com reverberação na imprensa.

Participavam Giles Azevedo (chefe de gabinete), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Helena Chagas (Comunicação Social).

Contrariada com a publicidade de assuntos tratados com reserva no Planalto, a presidente sinaliza que as decisões estratégicas ficarão circunscritas a um núcleo ainda menor de colaboradores. 
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Trecho de artigo de Elio Gaspari

O Globo - 15.01.2012

(...)A partir da segunda metade do século, quando os Coelho tomaram conta do Vale do São Francisco, as oligarquias endinheiradas da Califórnia viraram nome de museus (Getty) ou de personagens da História (Patton).

A última delas foi a dos Chandler, dona do “Los Angeles Times”. A sociedade mudou, e durante vinte anos, de 1973 a 1993, Los Angeles foi governada por um negro.

Em 1891, um magnata fundou em Pasadena uma escola técnica com uma doação de US$ 2,5 milhões em dinheiro de hoje. Com mais apoios e muita ajuda oficial, tornou-se o Instituto de Tecnologia da Califórnia. Produziu 31 prêmios Nobel e, no ano passado, foi considerado a melhor universidade do mundo, desbancando Harvard.

Até hoje o MEC não conseguiu saber o que a prefeitura de Petrolina fez com uma verba de R$ 2,5 milhões destinada à educação de jovens que abandonaram as escolas.