segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Os direitos humanos do Brasil são contra nós, brasileiros?






Os direitos humanos do Brasil são
 contra nós, brasileiros?


Myrian Luiz Alves

Foto 1: Publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 1982, a imagem mostra os quatro mortos no confronto conhecido por "chafurdo" do Natal de 1973, na linguagem militar. O primeiro corpo à esquerda é de Maurício Grabois, comandante-geral das Forças Guerrilheiras do Araguaia (Foguera). O primeiro, à direita, seria Paulo Mendes Rodrigues, reconhecido em poucos segundos, em momentos diferenciados, pelos ex-guerrilheiros João Carlos, Regilena Carvalho e Luzia Reis. 


De acordo com datas fornecidas em relatórios militares, e por registros de grupos de direitos humanos, os outros dois corpos seriam, então, de Gilberto Olímpio Maria e Guilherme Gomes Lund. 



Foto 2: Restos mortais encontrados em 1996, na área da Reserva Indígena Suruí, próximo à Base de São Raimundo, em São Geraldo. O livro de Luiz Maklouf Carvalho, O coronel rompe o silêncio, revela que o ex-major Cerqueira, o mesmo que atuou contra o capitão Lamarca, dirigiu o único QG de selva, no Araguaia, a 100 km de Marabá, exatamente o local da base de São Raimundo. 


As informações sobre esses restos mortais, intitulados RI-II (Reserva Indígena II) foram conhecidas somente em 2001, pelo Grupo de Trabalho Araguaia, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, coordenado pelo então deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado dos familiares, por meio do relatório forense argentino, e nunca divulgado, sequer às famílias, desde 1996, pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) ou pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.


A imagem da cova mostrada na foto coincide com a posição dos corpos do Natal. Foram encontrados restos inferiores, nove dentes de dois homens, um cartucho 9mm, meias e cordas na altura dos tornozelos. Um dos corpos do meio poderia ser, então, de Guilherme Gomes Lund, Luís, filho de Julia Gomes Lund, responsável por abrir as petições de 1982, brasileira, e de 1995, da Corte Internacional.


No período de trabalho da equipe argentina, três corpos teriam sido retirados de Xambioá, intitulados X-1, X-2 e X-3. Já mostramos que após 13 longos anos, o corpo X-2 foi identificado como Bergson. Dos outros dois nenhuma satisfação foi dada até o momento.



Cronologia dos armários

Afirmo que restos mortais, exumados em 1996, foram retirados por um assessor do já ministro Nilmário Miranda, em 19 de novembro de 2003, do edifício da Polícia Federal em Brasília, que não tinha o "direito" de encaminhá-los para identificações, e foram alojados no armário da comissão.

Naquele dia, após uma audiência com o ministro da Casa Civil, José Dirceu, segui para a PF para acompanhar retirada de material genético de Antonio Castiglia, irmão de Libero Giancarlo Castiglia.


O diretor da PF encontrava-se nervoso. Contou-nos que um assessor do ministro Nilmário Miranda, de sotaque chileno, retirara, sem aviso anterior, as caixas de restos mortais guardadas naquele edifício, porque o ministro levaria para a Argentina. 


Logo em seguida, o repórter Tiago Vitale Jaime, do Correio Braziliense, por telefone, informava que um assessor, de sotaque castelhano, a mando do ministro Nilmário, exigira o material que havia no Departamento de DNA do Instituto de Criminalística do Distrito Federal. 


A dra. Claudia, responsável pelo departamento, relatava ao jornal, naquele mesmo momento, a maneira grosseira com que o assessor do ministro retirara coletas de material da família de João Carlos Haas Sobrinho, único material referente ao Araguaia, então armazenado no instituto. 


Em 2010, no GTT, descobriu-se que um corpo fora devolvido, em caixa de papelão, em meados dos anos 2000, na casa do coveiro que trabalhou nas exumações realizadas em 1996, sr. Osvaldo (Pitú), sem qualquer indicação judicial ou de autoridade local. A pessoa que bateu em sua porta somente disse: "o corpo que o senhor retirou de perto do Cruzeiro (no corredor de acesso do Cemitério de Xambioá), pode colocá-lo de volta".


Sem cadeia de custódia (acompanhamento de perícia), mas com total desrespeito a moradores ou guerrilheiros que estivessem no campo santo.


Ao somar a demora da identificação de Maria Lucia Petit, cinco anos após sua exumação, e a de Bergson, 13 anos, chega-se à conclusão de que a identificação de corpos de guerrilheiros retirados de campo santo e da reserva indígena (área da União, portanto), e sob comando de uma secretaria do governo federal, a SEDH, fragilizaria o argumento - "descaso do Estado" - da petição de 1995, junto à Corte Internacional. 


Além disso, vários militantes de outras organizações armadas já tinham sido identificados, recolhidos em cemitérios.


Na batalha pela identificação do corpo X-2, após cruzar várias informações e ouvir opiniões de legistas, diversas autoridades foram contatadas por esta pesquisa, entre elas os ex-ministros Nilmário Miranda, Tarso Genro e José Dirceu, os ex-deputados José Genoíno e o atual ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardoso.


Também comuniquei o caso ao presidente do PCdoB, Renato Rabelo, e ao então presidente da Câmara dos deputados, Aldo Rebelo.


O receio, para uma assessora de imprensa, trabalhando junto ao governo, era o Poder Judiciário determinar busca e apreensão no prédio do Ministério da Justiça. 


Acreditava, como ainda acredito, que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva nada tinham a ver com a irresponsável embromação, que entendia e entendo como um vexame para o país.


Registro que, após diálogo com o ex-ministro José Dirceu, em março de 2009, a identificação de Bergson foi mais rapidamente encaminhada. E a ele agradeci, como ao deputado Pompeu de Matos, pelo apoio na identificação do primeiro guerrilheiro a tombar no Araguaia.


Desde a divulgação da sentença da OEA, observo, com náuseas, a forma como integrantes do Poder Executivo - e dos direitos humanos - comemoram a condenação do Brasil na Corte Internacional, da Organização dos Estados Americanos (OEA), outrora rechaçada por amplos setores da esquerda, pelo boicote imposto a Cuba durante décadas.


Atualmente, circula na internet, por exemplo, uma campanha chamada CUMPRA-SE, relativa à ação na OEA. Não me consta que os vários governos recentes do Brasil, estados e municípios, tenham recusado  apoio a familiares de "desaparecidos". Por outro lado, não vejo nenhuma cobrança aos responsáveis por retirar corpos de cemitérios para omiti-los em nome de outros interesses.


Destaca-se que, a sentença da Justiça Federal à petição de 1982, decretada em 2003, , não recebeu semelhante comemoração. Pior ainda é verificar que, para o seu cumprimento, objeções são colocadas pela área de direitos humanos, a exemplo do descaso com (não) identificações de corpos retirados em 1991, 1996 e 2001.


É evidente que, no caso tratado, uma guerrilha de selva, a revelação de uma identificação levaria a outras buscas. Registra-se, também, que, até o momento, ninguém se dirigiu à Marinha para perguntar de onde ela tirou as datas de morte de combatentes e de prisioneiros, fornecidas em 1996 ao então ministro da Justiça.


É importante lembrar: todos esses recentes movimentos em torno da Comissão da Verdade são baseados, principalmente, no episódio da Guerrilha do Araguaia.


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Reportagem do SporTV com João Carlos, janeiro de 2011. O jogador que deixou o futebol, nos anos 60, para lutar contra o regime militar




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                                           (Araguaia - Tereza Sobreira, 2009)


Juventude

João Carlos

    O grande acontecimento atual são as grandes manifestações por liberdade, em todos os continentes.
   
    Por ter pertencido a um partido stalinista quando jovem, fico curioso em saber como interagem os que hoje integram essas agremiações.
   
    O sentido de juventude é sonhar em voz alta, escolher, na troca de idéia e experiências, o caminho a seguir, sem medo de errar. Creio que desse sentimento surgiu a frase emblemática da geração de 68 ‒ Ousar lutar, ousar vencer!
   
    Onde está, hoje, aquela geração? Parte da sua elite política envergonha, associada a “novos” jovens, no poder, roubando. Cria quadrilhas de ocasião, quando surge a oportunidade de assaltar o Estado.
  
     A sociedade muda quando o indivíduo muda para melhor ou pior. Acreditar que mudando o sistema mudaríamos a sociedade foi meu erro mais grave.
   
    O grande impedimento para mim foi o enfrentamento da feroz repressão, não apenas por ela em si, mas principalmente pelo oportunismo dos stalinistas de plantão, que , utilizando esse argumento, manipularam o exercício do poder. 

Os primeiros combates, em São Geraldo, segundo o sargento Califa, da Força Aérea Brasileira


Os primeiros combates, em São Geraldo, segundo o sargento Califa, da Força Aérea Brasileira



Avião do empresário José Noleto, apreendido na base de Xambioá, em 1972. Noleto e seu piloto, Pedro Careca, ficaram presos na base


Além de testemunhar a chegada do corpo de Bergson Gurjão Farias, Jorge, chefe do Grupo Esperancinha, do Dest C, primeiro dos guerrilheiros a tombar, no início de junho de 1972, o ex-sargento Califa, da FAB, viu chegar também o corpo de Idalísio Soares Aranha, Aparício, do Dest B, em julho de 1972, morto na região de Perdidos.

Viu prisioneiras Luzia Reis e Regilena Carvalho, do Dest C, entre outros, como o piloto Pedro Careca, funcionário do empresário de aviação Pedro Noleto.

Os autores do blogue preservam a identidade do militar, mantendo o codinome por ele utilizado em 1972.



                      “Detalhes registrados na agenda do sargento Califa, da FAB:

     A chegada do primeiro corpo de um guerrilheiro (Jorge)



Final da manhã do dia 2 de junho de 1972. O helicóptero sapão 02 sobrevoa baixo, lentamente o rio Araguaia. Junto ao esqui direito, há uma pequena lona cinza, envolta em um corpo atado por cordas e seguro pelos tripulantes e paraquedistas que acompanham o transbordo da vítima do confronto havido, próximo a Pau Preto.

Um dos paraquedistas da equipe diz que não tiveram tempo para acondicionar melhor o corpo na lona, pois receberam ordens para trazer de imediato para a base, e, assim, o corpo veio meio dobrado enrolado pelas cordas. 

A cerca de dois metros do chão, o mecânico de voo do ‘paquera’, Osmário, e um cabo do BIS ajudam a descida do corpo do guerrilheiro que pende de lado, e tomba de uma altura de 3 metros sobre um estrado. A cena é tocante pelo estado de ruína em que se encontrava o guerrilheiro.

O sargento Califa se aproxima do rebelde curvado e inerte, puxa o braço esquerdo para ajeitar o corpo, para que ‘Jorge’ - apesar da condição em que se encontrava - ficasse em posição frontal, deitado, e levemente curvado para cima. Quando caiu, o tronco ficou separado apenas seguro pela camisa.

Os olhos semiabertos, o bigode estilo mexicano, com os pelos retorcidos em torno do extenso ferimento, denotava o impacto proveniente de cano raiado. 

Os cabelos fartos em desalinho, para os lados. Um tiro de isolado de fuzil atingira-lhe o lado esquerdo do rosto junto ao nariz, aparentemente vindo da direita do guerrilheiro. Dois impactos que aparentavam ter vindo de duas direções abertas a 90º, fazendo crer que foram dados em tempos distintos. 

Uma rajada de fuzil automático, de frente, e na horizontal, quase fez dobrar o corpo na altura do umbigo.

O ‘doc’ se aproxima com o cabo enfermeiro de Belém e preparam a maca, para levarem o corpo do rebelde para a barraca da ‘emergência’.
 - “O terrorista abriu a guarda enquanto cuspia fogo na patrulha, que ficou na área buscando os outros!” - retruca um militar que descera do sapão, retornando da área do confronto.

Quem estava junto à pista, por instantes, contemplava o ‘engenheiro Jorge, de Fortaleza’ - como assim se referiu, de início, o agente Jota Cristo, do CIEx.

O fotógrafo de Brasília fotografou o corpo, que foi preparado e levado para dentro do campo santo de Xambioá, distante cerca de 1 km do acampamento.”                           


Apontamento no cemitério de Xambioá, em 1981, à Caravana de Familiares. Os dois X, em vermelho, estão como no original. Significam as sepulturas de Maria e Jorge, assim afirmados aos integrantes da caravana. Maria Lucia Petit e Bergson Gurjão Farias. Ainda contaremos mais a respeito da demora das duas identificações, após suas exumações, respectivamente, em 1991 e 1996.

                         
                 Restos mortais, intitulados X-2, retirados em 1996, identificado

                      somente em 2009 como Bergson Gurjão Farias (Jorge)




  Texto do sargento da FAB, presente na base de Xambioá,
        sobre Idalisio Soares Aranha

“Ao chegar a Xambioá, em julho de 1972, o corpo do guerrilheiro foi trazido em uma lona com muito cuidado, uma vez que vertia muito sangue e aparentemente seu rosto vinha em pior estado do que chegara um mês antes o guerrilheiro Jorge. Pela manhã, um soldado atingido na perna, que chegara de helicóptero, foi rápido carregado para a barraca do Doc.

"O sapão trouxe o corpo e retornou rápido para a região dos Perdidos, pois os confrontos continuavam na região do destacamento C.

"Frases soltas ouvidas de um sargento da inteligência, no desembarque do corpo, dizia que houvera uma emboscada e o guerrilheiro fazia a linha de frente do grupo que escapara da visão do helicóptero e dos soldados de infantaria e equipe de operações espalhados junto à trilha.

"Outra frase dizia que o jovem fora vítima da disparidade de armamento quando foram atacados por uma saraivada de tiros de fuzil enquanto respondiam com espingardas 20 e 44, além de revólveres 38.



Memorial católico de Walkíria Afonso Costa e Isalisio Soares Aranha Filho. Companheiros, Walk compunha e tocava acordeon, que chegou às suas mãos no Araguaia. Idalísio tocava violão. O ex-sargento conta ter visto Walkíria, a quem reconhece por fotografia, dias antes do início do conflito em Xambioá, acompanhada de uma amiga


"O grupo vinha sendo monitorado pelo avião observador paquera enquanto contornavam pelo norte da Grota Vermelha, um desvio de uma trilha a sudoeste de São Geraldo. Chamou atenção de um piloto do sapão o fato de correrem para se esconder no mato.

"Ante a aproximação de uma patrulha levada pelo helicóptero, iniciou-se um tiroteio, em que dois deles foram atingidos, segundo o artilheiro do sapão. Um deles ficou na linha de visada do helicóptero e da patrulha, respondendo o fogo, atravessou bravamente uma área circundante de clareira em combate desigual. Não se entregou.   

"O sargento Califa da FAB reparou que apenas a lateral do rosto ficara de fora da lona, completamente ensopada de sangue. E foi fotografado e, na volta do sapão, levado para os fundos da área improvisada do cemitério. Da pista se observava o helicóptero em voo pairado, rente ao capim, enquanto desciam o corpo envolvido e amarrado com cordas.

"Houve um rebuliço na coordenação do acampamento, pois se aventava que o guerrilheiro poderia ser o doutor Juca. Um capitão do CIEx conseguiu identificar por escritos em papéis apreendidos o nome Idalício Aranha. Assim se comentava naquele dia na base.”  

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Guerrilha do Araguaia e a memória social


Guerrilha do Araguaia e a memória social
                                                 
Os textos, documentos e iconografia a serem inseridos neste informativo eletrônico pretendem a socialização das informações. Para nós, os levantamentos e documentos até aqui conhecidos são suficientes para se chegar a outros cruzamentos de dados, estimula a troca de conhecimento para tentar avançar no quebra-cabeça imposto outrora pelo regime militar e hoje pela apropriação do que, entendemos, ser uma das mais belas - embora cruéis - páginas de nossa história.

A permanecer o vaivém de instalações de grupos de trabalho, comissões e outras aglutinações pessoais e de instrumento político, como já vimos nesses 20 anos e pouco, corre-se o risco de se perder - talvez definitivamente - os testemunhos orais, que sempre serão prova. E, mais do que a oficialidade da prova, eles constituem a narrativa principal, por guardarem a emoção dos que viveram os variados segmentos do conflito.

Começamos, assim, pela divulgação abaixo de fotografias, funções e períodos dos dois primeiros comandantes do 52° Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), instalado no quilômetro 8 da Rodovia Tranzamazônica, entre Marabá e São Domingos, no sudeste do Pará.

Hoje, 25 de outubro, completam-se 39 anos do fuzilamento, segundo informações de ex-soldados, da última guerrilheira a ser aprisionada. A data foi informada em relatório entregue pelo então ministro da Marinha ao ministro da Justiça em 1993.

Essas informações coincidem, por exemplo, com o fac símile de delação de Walkíria, de 10 de outubro de 1974, publicada no livro A Lei da Selva, de Hugo Studart.

Apesar de Walk ter sido aprisionada e vista por militares e moradores ainda viva na Base de Xambioá, as indicações dos nomes dos comandantes do BIS, sem a alcunha de doutores, pode contribuir, no mínimo, para se tentar saber um pouco do que ocorreu durante a última das campanhas, a Operação Marajoara, da qual falaremos em outros momentos.
           

                            
Criado em junho de 1973 para combater as Forças Guerrilheiras do Araguaia (Foguera), o 52° BIS exibe todos os retratos de seus comandantes, incluindo os dois primeiros, com se observa na bainha das fotos.
O BIS também não esconde as razões de sua fundação, o combate ao “terrorismo”, segundo as inscrições da placa afixada no hall da entrada principal.


O 52° BIS integra a maior Brigada de Infantaria de Selva da América Latina, a 23º, com sede em Marabá. A Brigada, responsável pela logística do Grupo de Trabalho Tocantins, criado para cumprir parte da sentença da juíza Solange Salgado, responde pela área entre Imperatriz, no Maranhão, e Altamira, no Pará. A região, uma das mais ricas províncias minerais do globo terrestre, abriga o Polo Carajás, instalado a partir de julho de 1974, mês da morte da geóloga Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, segundo informa a Marinha.

Em 2005, Sebastião Curió Rodrigues de Moura revelou ao repórter Leonencio Nossa, de O Estado de S.Paulo, que a lendária Dina teria morrido no dia 24 de julho de 1974.

Nenhum passo da área dos direitos humanos - nem mesmo durante oitiva de Curió à Justiça Federal, em 2009 - foi dado para se saber mais do coronel que, ao estilo do agente britânico Kurtz, segundo ele próprio admite ser chamado em Brasília, impetrou por três décadas o coração nas trevas em área amazônica, tal como na obra homônima de Joseph Conrad, ambientada no Congo cem anos antes.

                              Antonio de Pádua Costa, Piauí, primeiro à esquerda, agachado

Preso em março de 1974, pelo atual tenente José Vargas Gimenez (Chico Dólar), o último comandante do Destacamento A da guerrilha, é “desaparecido”.

A fotografia, apresentada em 1996 por Paulinho Fonteles à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, foi encontrada pelo filho de um casal amigo dos guerrilheiros. Divulgada em jornais durante todos esses anos, nada foi feito para se obter mais informações.


46 – WALQUIRIA AFONSO COSTA  “WALQUIRIA”  (Dst B – Gp CASTANHAL)



    Valquíria, no álbum militar utilizado para identificar e combater guerrilheiros  – outubro 1972



Informações sobre Walkíria, segundo os relatórios das forças armadas de 1993, entregues pelos ministros militares em 1993 ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa:

Walquiria Afonso Costa - Valquíria

Filha de Edwin Costa e de Odete Afonso Costa, nascida no dia 02 Ago 47, em UBERABA/MG.
Militante do PCdoB, utilizava o codinome “VERA”  e pertencia ao Destacamento  “B” do grupo Castanhal, liderado pelo guerrilheiro  “ZÉ FERREIRA”, na guerrilha do Araguaia.
Foragida, teve sua prisão preventiva decretada em função do IPM que apurou as atividades do Partido, na região do ARAGUAIA.
Consta que teria morrido em 1972, em confronto com as forças de segurança (Centro de Inteligência do Exército).

Militante do PCdoB, guerrilheira no Araguaia, dada como morta ou desaparecida por publicações diversas, da imprensa e de entidades defensoras dos Direitos Humanos. Neste Órgão, não há dados sobre o seu paradeiro (Força Aérea Brasileira).

- NOV/74, relacionada entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morta em 25 OUT 74 (Marinha).


A Marinha fornece a data de morte de Walkíria assim como a de Piauí e da maioria absoluta dos que foram presos e “desaparecidos”, incluindo os capturados a partir de março de 1974, período do governo Ernesto Geisel.

Ainda em 2004, o ex-soldado Adaílton Bezerra fez questão, por exemplo, de se apresentar à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, para prestar depoimento sobre as horas em que passou de escolta, ou de guarda, para Walkíria, em Xambioá. E sobre os relatos que ouviu do médico daquela base militar. 

Tempos depois, ao observar a foto do prisioneiro Antonio de Pádua Costa, Adaílton disse que os militares, como poderia se observar na fotografia, poderiam estar formando a posição "meia-lua", utilizada para fuzilamento, a mesma que teria sido utilizada para Walkíria. Adaílton conta que oficiais chamados à base aguardaram o "Carrasco", autor dos três disparos que teriam atingido  a ex-estudante de pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A única consequência da oitiva do ex-soldado que, antes de prestar depoimento, conversou com a única irmã de Walkíria, Valéria Costa, por telefone, a partir de Brasília, foi a violenta articulação de algumas militantes de direitos humanos, nos bastidores, para derrubar o então presidente da Comissão, João Luiz Duboc Pinaud. Para essas militantes, como ficou claro na época, ouvir militares não seria função, nem responsabilidade da comissão.

Alguns dias depois, por não aguentar a pressão, o antigo criminalista renunciou à presidência dessa comissão, instalada em 1995.  Segundo ele, é impossível trabalhar em direitos humanos no interior do aparelho de estado.

Trecho de relatório da pesquisa ao Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) – Abril de 2011

As fotografias acima, conforme destacam as legendas, apresentam os primeiros comandantes do 52° Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), criado, segundo o histórico da região, antes da terceira e última campanha militar contra as Forças Guerrilheiras do Araguaia.

O capitão Valder de Carvalho Lima comandou o BIS entre 1° de junho de 1973 e 30 de janeiro de 1975; o major José de Rosa Jr., de 30 de janeiro de 1975 a 6 de fevereiro de 1976. As fotografias ilustram a sala do comando atual do batalhão, junto a retratos de comandantes posteriores.

A sala, como se percebe, recebe visitantes civis. Pode-se afirmar, portanto, que o local é público. Registre-se que as fotografias, além de não serem secretas, mostram os comandantes conforme seus respectivos períodos de função.

O retrato do major Rosa, apesar de seu comando ultrapassar o tempo da guerrilha, foi acrescentado no trabalho desta pesquisa, pela dúvida de ele ter sido ou não um dos militares atuantes em período anterior.

O objetivo desta pesquisadora, ao pedir autorização para registrar os dois comandantes, durante os trabalhos de abril deste ano, é o de reforçar que muito do que se afirma a respeito da guerrilha, em especial do seu caráter “secreto”, não passa de mito, de lendas criadas para atender a outros objetivos, jamais à importância de a guerrilha tratar-se de um fato histórico, como outros da nação.


Para exemplificar melhor, as fotografias estão lá para quem quiser ver, com nomes, sobrenomes, funções e datas. Assim como são conhecidos relatórios militares da guerrilha, com nomes, sobrenomes e codinomes, a exemplo dos textos das operações Peixe, Papagaio, Sucuri, entre outras, já apresentadas em livros, sítios eletrônicos e outras publicações.

terça-feira, 18 de outubro de 2011


Entre 2001 e 2009, uma dura luta foi travada em Brasília e outros estados, nos bastidores políticos, para provar a fácil identificação do corpo do guerrilheiro Bergson Gurjão Farias, enterrado em público, no início de junho de 1972, no Cemitério de Xambioá (TO).
Exumado em 1996, por antropólogos argentinos, seu corpo de quase 1.90m, jazia numa caixa de papelão há 13 anos, em dependências da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, por puro descaso - ou segundas intenções? - da área de direitos humanos, formada em parte, por ex-ativistas e atuais ativistas autointitulados de "esquerda". 
Em 2009, 2010 e início de 2011, novas informações sobre a Guerrilha do Araguaia vieram à luz, durante pesquisa para o cumprimento de sentença judicial,  sob responsabilidade do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), do Ministério da Defesa do Brasil. 
Em junho de 2011, a remodelação do GTT para Grupo de Trabalho Araguaia e a inserção, em sua coordenação, dos ministérios da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos, excluiu a participação de pesquisadores - jornalistas - convidados.
É importante lembrar, e destacar: o conhecimento e os desdobramentos das informações sobre a única guerrilha rural da década de 1970,  travada pelas Forças Guerrilheiras do Araguaia (Foguera) e Forças Legais, teve - e ainda tem - fundamental contribuição de jornalistas e veículos de imprensa do país.
Como os de Bergson, identificado em julho de 2009, sem a análise de legistas e sem a necessária participação de peritos para sua legitimidade - chamada no meio jurídico de cadeia de custódia - outros restos mortais estão no poder da Capital aguardando a boa vontade dos interesses políticos. 
O estudo e a luta para esses esclarecimentos não podem, entretanto, responsabilizar, no momento, governos ou autoridades, porque esses repassaram - terceirizaram - suas responsabilidades aos que se dizem militantes de DH. 
Com o blogue, queremos, por essas, entre tantas outras razões, socializar o que aprendemos. Contar um pouco da vivência entre companheiros que ali, e em outros lugares, tombaram acreditando na evolução do caráter nacional.

Ficamos animados ao ver novamente os meninos gritando nas ruas do mundo. Então, lembramos Maiakovski:

 "Qual uma peliça
  o tempo é também roído
  por vermes cotidianos.
  As vestes poeirentas
  de nossos dias
  cabe a ti,
  juventude (konsomol),
  sacudi-las!"

Assim, queremos lembrar os que sacudiram o mundo há quarenta anos, dialogando com os que, hoje, buscam sacudi-lo novamente - os jovens.

Dedicamos nossas linhas  à população da tríplice divisa dos estados do Tocantins, Maranhão e Pará, aos guerrilheiros, em especial, à Lúcia Maria de Souza, a Sonia, João Carlos Haas Sobrinho, o Juca, mortos em combate em 25 de outubro de 1973 e 30 de setembro de 1972, e à Walkíria Afonso Costa, última guerrilheira a ser aprisionada. 
Executada na Base Militar de Xambioá em 25 de outubro de 1974, todas as informações até aqui levantadas sobre a covardia que atingiu Walk, cerca de 23 guerrilheiros e mais de vinte moradores, mortos ou “desaparecidos” após a prisão, são geralmente ignoradas ou  desviadas para outros assuntos.
Junto a outras histórias, que poderiam também estar muito mais elucidadas, veremos que, ao longo dos últimos 20 anos, meia dúzia de pessoas dirige o tema "desaparecidos" no Brasil mais ou menos assim: quando se encontra corpo, desviam o assunto para exigências de arquivos; quando surgem arquivos, querem reuniões com governos; em reuniões com governos, mesmo atuando dentro deles, são oposição e, juntando tudo isso, querem ganhar - e ganham - ações.
Doloroso é saber que mães, irmãos e amigos são enganados por  poucos, interessados em conquistar, por exemplo, uma ação contra o Brasil. Basta ler a sentença da Corte Interamericana para observar vícios contundentes de processo. Traição? Oportunismo?
Então, dedicamos também o blogue aos que são, inocentemente, ludibriados. Nesse caso, o sempre bem intencionado povo brasileiro. Ou melhor, nós todos.
Nascido em São Leopoldo, João Carlos Haas Sobrinho foi presidente da União dos Estudantes gaúcha em 1964, ano de sua formação em medicina. Fundou o primeiro hospital de Porto Franco, sul do Maranhão, em 1967. Adotou o apelido Juca no sudeste do Pará, para onde se dirigiu no final de 1968. Integrante da Comissão Militar das Foguera, tombou aos 31 anos com os guerrilheiros Ciro Flávio Salazar e Oliveira e Manoel José Nurchis (Gil). O combate é registrado nos relatórios militares. Seu corpo foi exposto na calçada em frente da delegacia de Xambioá e detalhes de setembro de 1972 foram contados e registrados pelo ex-guerrilheiro Dower Moraes Cavalcante, retirado de presídio em São Paulo, por ordem do general Antonio Bandeira, para identificar guerrilheiros. Enterrado no cemitério local, a sepultura foi apontada pela viúva do coveiro em 1996, e, segundo informações veiculadas no período, seu corpo teria sido exumado durante os trabalhos da Equipe de Antropologia Forense Argentina, em julho do mesmo ano.