segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Os direitos humanos do Brasil são contra nós, brasileiros?






Os direitos humanos do Brasil são
 contra nós, brasileiros?


Myrian Luiz Alves

Foto 1: Publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo em 1982, a imagem mostra os quatro mortos no confronto conhecido por "chafurdo" do Natal de 1973, na linguagem militar. O primeiro corpo à esquerda é de Maurício Grabois, comandante-geral das Forças Guerrilheiras do Araguaia (Foguera). O primeiro, à direita, seria Paulo Mendes Rodrigues, reconhecido em poucos segundos, em momentos diferenciados, pelos ex-guerrilheiros João Carlos, Regilena Carvalho e Luzia Reis. 


De acordo com datas fornecidas em relatórios militares, e por registros de grupos de direitos humanos, os outros dois corpos seriam, então, de Gilberto Olímpio Maria e Guilherme Gomes Lund. 



Foto 2: Restos mortais encontrados em 1996, na área da Reserva Indígena Suruí, próximo à Base de São Raimundo, em São Geraldo. O livro de Luiz Maklouf Carvalho, O coronel rompe o silêncio, revela que o ex-major Cerqueira, o mesmo que atuou contra o capitão Lamarca, dirigiu o único QG de selva, no Araguaia, a 100 km de Marabá, exatamente o local da base de São Raimundo. 


As informações sobre esses restos mortais, intitulados RI-II (Reserva Indígena II) foram conhecidas somente em 2001, pelo Grupo de Trabalho Araguaia, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, coordenado pelo então deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado dos familiares, por meio do relatório forense argentino, e nunca divulgado, sequer às famílias, desde 1996, pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) ou pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.


A imagem da cova mostrada na foto coincide com a posição dos corpos do Natal. Foram encontrados restos inferiores, nove dentes de dois homens, um cartucho 9mm, meias e cordas na altura dos tornozelos. Um dos corpos do meio poderia ser, então, de Guilherme Gomes Lund, Luís, filho de Julia Gomes Lund, responsável por abrir as petições de 1982, brasileira, e de 1995, da Corte Internacional.


No período de trabalho da equipe argentina, três corpos teriam sido retirados de Xambioá, intitulados X-1, X-2 e X-3. Já mostramos que após 13 longos anos, o corpo X-2 foi identificado como Bergson. Dos outros dois nenhuma satisfação foi dada até o momento.



Cronologia dos armários

Afirmo que restos mortais, exumados em 1996, foram retirados por um assessor do já ministro Nilmário Miranda, em 19 de novembro de 2003, do edifício da Polícia Federal em Brasília, que não tinha o "direito" de encaminhá-los para identificações, e foram alojados no armário da comissão.

Naquele dia, após uma audiência com o ministro da Casa Civil, José Dirceu, segui para a PF para acompanhar retirada de material genético de Antonio Castiglia, irmão de Libero Giancarlo Castiglia.


O diretor da PF encontrava-se nervoso. Contou-nos que um assessor do ministro Nilmário Miranda, de sotaque chileno, retirara, sem aviso anterior, as caixas de restos mortais guardadas naquele edifício, porque o ministro levaria para a Argentina. 


Logo em seguida, o repórter Tiago Vitale Jaime, do Correio Braziliense, por telefone, informava que um assessor, de sotaque castelhano, a mando do ministro Nilmário, exigira o material que havia no Departamento de DNA do Instituto de Criminalística do Distrito Federal. 


A dra. Claudia, responsável pelo departamento, relatava ao jornal, naquele mesmo momento, a maneira grosseira com que o assessor do ministro retirara coletas de material da família de João Carlos Haas Sobrinho, único material referente ao Araguaia, então armazenado no instituto. 


Em 2010, no GTT, descobriu-se que um corpo fora devolvido, em caixa de papelão, em meados dos anos 2000, na casa do coveiro que trabalhou nas exumações realizadas em 1996, sr. Osvaldo (Pitú), sem qualquer indicação judicial ou de autoridade local. A pessoa que bateu em sua porta somente disse: "o corpo que o senhor retirou de perto do Cruzeiro (no corredor de acesso do Cemitério de Xambioá), pode colocá-lo de volta".


Sem cadeia de custódia (acompanhamento de perícia), mas com total desrespeito a moradores ou guerrilheiros que estivessem no campo santo.


Ao somar a demora da identificação de Maria Lucia Petit, cinco anos após sua exumação, e a de Bergson, 13 anos, chega-se à conclusão de que a identificação de corpos de guerrilheiros retirados de campo santo e da reserva indígena (área da União, portanto), e sob comando de uma secretaria do governo federal, a SEDH, fragilizaria o argumento - "descaso do Estado" - da petição de 1995, junto à Corte Internacional. 


Além disso, vários militantes de outras organizações armadas já tinham sido identificados, recolhidos em cemitérios.


Na batalha pela identificação do corpo X-2, após cruzar várias informações e ouvir opiniões de legistas, diversas autoridades foram contatadas por esta pesquisa, entre elas os ex-ministros Nilmário Miranda, Tarso Genro e José Dirceu, os ex-deputados José Genoíno e o atual ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardoso.


Também comuniquei o caso ao presidente do PCdoB, Renato Rabelo, e ao então presidente da Câmara dos deputados, Aldo Rebelo.


O receio, para uma assessora de imprensa, trabalhando junto ao governo, era o Poder Judiciário determinar busca e apreensão no prédio do Ministério da Justiça. 


Acreditava, como ainda acredito, que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva nada tinham a ver com a irresponsável embromação, que entendia e entendo como um vexame para o país.


Registro que, após diálogo com o ex-ministro José Dirceu, em março de 2009, a identificação de Bergson foi mais rapidamente encaminhada. E a ele agradeci, como ao deputado Pompeu de Matos, pelo apoio na identificação do primeiro guerrilheiro a tombar no Araguaia.


Desde a divulgação da sentença da OEA, observo, com náuseas, a forma como integrantes do Poder Executivo - e dos direitos humanos - comemoram a condenação do Brasil na Corte Internacional, da Organização dos Estados Americanos (OEA), outrora rechaçada por amplos setores da esquerda, pelo boicote imposto a Cuba durante décadas.


Atualmente, circula na internet, por exemplo, uma campanha chamada CUMPRA-SE, relativa à ação na OEA. Não me consta que os vários governos recentes do Brasil, estados e municípios, tenham recusado  apoio a familiares de "desaparecidos". Por outro lado, não vejo nenhuma cobrança aos responsáveis por retirar corpos de cemitérios para omiti-los em nome de outros interesses.


Destaca-se que, a sentença da Justiça Federal à petição de 1982, decretada em 2003, , não recebeu semelhante comemoração. Pior ainda é verificar que, para o seu cumprimento, objeções são colocadas pela área de direitos humanos, a exemplo do descaso com (não) identificações de corpos retirados em 1991, 1996 e 2001.


É evidente que, no caso tratado, uma guerrilha de selva, a revelação de uma identificação levaria a outras buscas. Registra-se, também, que, até o momento, ninguém se dirigiu à Marinha para perguntar de onde ela tirou as datas de morte de combatentes e de prisioneiros, fornecidas em 1996 ao então ministro da Justiça.


É importante lembrar: todos esses recentes movimentos em torno da Comissão da Verdade são baseados, principalmente, no episódio da Guerrilha do Araguaia.


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