domingo, 11 de dezembro de 2011

Ao Presidente Lula, neste Dia Internacional de Direitos Humanos


“Nós não herdamos a Terra de nossos avós, nós a
 tomamos emprestada de nossos filhos.”
 (Cacique Seattle, 1854)



Ao Exmo. Senhor
Ex-Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Esta é a terceira carta que dirijo ao senhor. A primeira, em 1997, enquanto assessora do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, dizia-lhe que não desistisse de sua candidatura à Presidência da República. 
O momento era delicado. Denúncias do antigo militante de esquerda e do PT, Paulo de Tarso Wenceslau, abalavam o partido e sua honra. Quem participou das articulações políticas daqueles dias sabe o que se passou. 
O denunciante era grande amigo do então presidente do partido, José Dirceu, e participara do sequestro do embaixador americano, em 1969, realizado pela guerrilha urbana para resgatar prisioneiros políticos como Wladimir Palmeira, José Dirceu e Gregório Bezerra, entre  outros. 
A segunda carta já lhe foi dirigida como Presidente da República. A missiva alertava-lhe que o então Ministro da Defesa, José Viegas, não falava lá muito a verdade ao dizer que o Estado brasileiro não possuía arquivos do regime militar.
O texto seguiu acompanhado de um calhamaço de relatórios militares e fotografias de mortos e prisioneiros do Araguaia.
Esta mensagem pública, de hoje, Presidente, pretende um apelo. O senhor já alcançou seu objetivo. Com origem operária, governou o país por dois mandatos. Fez sua sucessora. Mas, veja como se encontra nossa nação: após a queda de seis ministros, cinco deles, dos mais variados partidos, alvejados por denúncias de corrupção, e o outro, como fez parecer, por malcriação à Presidente. Agora, surgem denúncias contra o ministro da Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte. Ligado no passado e presente diretamente à Presidente da República.
Como se sabe, a trajetória desse ministro não é das mais queridas internamente no PT. Portanto, é provável que os petistas, com exceção da Presidente, defendam por pouco tempo o ministro hoje alvo da “mídia golpista”, segundo a linguagem atual de fanáticos e puxa-sacos, embora não chamem de golpista a Polícia Federal, responsável pela maioria das investigações contra autoridades públicas.
E essa “mídia golpista” e seus trabalhadores tratavam bem o PT, antes de ele chegar ao poder, ao contrário do que ocorria a outras agremiações de esquerda. Relacionavam-se normalmente com alguns de seus dirigentes, a exemplo de José Genoíno, hoje bastante magoado com a imprensa, após denúncias de 2005 que o atingiram enquanto presidente da legenda.
Na questão do Araguaia, por exemplo, Genoíno, embora ciente, nada fez para tirar restos mortais de seu antigo camarada, seu vice-presidente do DCE da Universidade Federal do Ceará, Bergson, entre outros ainda guardados, do armário do Ministério da Justiça, escondidos por uma pequena corja de Direitos Humanos, que pretendia condenar o Brasil na Corte Internacional da Organização dos Estados Americanos durante sua gestão, Presidente Lula.
E conseguiu seu intento, roubando a história gloriosa de revolucionários que, com erros e acertos, lutavam por liberdade. Roubo agora utilizado para maquiar a promiscuidade política que envolve setores da esquerda com os usurpadores de sempre.
O que desejam os líderes desses setores? Fazer de nossos sonhos respaldo para enriquecimentos individuais, em sua maioria, ilícitos? 
Lembro-me de Vladimir Palmeira na plenária do PT do Rio, no auditório da UERJ, durante a conturbada articulação com Garotinho: companheiro Lula, sou aliancista, mas o que se vê  nos noticiários a respeito da aliança pretendida por vocês, diria que isso não é aliança, é um cordão sanitário.
Pois foi com esse esse cordão, ou aliança, que amplos setores da esquerda chegaram ao poder. Pergunta-se para quê? Para a educação continuar com seus índices ladeira abaixo? Ou o saneamento básico e o esgoto estagnarem-se em patamares tão baixos como os dos mais pobres países? Para ver índios serem tratados com descaso sub-humano?
E, em meio a isso e outros desencantos, um ministro de Direitos Humanos, que mentira em sua gestão, sair do governo e ganhar anistia político-financeira tal como uma compensação pela perda do cargo?
Mentiras, mentiras. Aprendidas com mais afinco, pode-se ter certeza, com pessoas como Duda Mendonça. E foi a respeito dele que ocorreu uma de nossas conversas, aqui no Rio. O homem fizera uma propaganda de TV do partido mostrando ratos roendo a Bandeira do Brasil. Lembro-me de ter dialogado com a ex-governadora do Distrito Federal, Arlete Sampaio,  também chateada com aquela peça.
O afamado publicitário, defensor de rinha de galo e pescador de marlin, responsável pela campanha de Joaquim Roriz contra a reeleição de Cristovam Buarque em 1998, pregara, por exemplo, o programa Tolerância Zero, copiado dos Estados Unidos e usado por ele em outras campanhas no mesmo ano, como a do petista Jorge Viana, no Acre.
Antes, em 1996, Duda usara efeitos especiais para inventar um tal fura-fila, na campanha de Celso Pitta a prefeito de São Paulo.  E todos sabem no que deu.
Para não estender demais, pode-se dizer que as peças aqui citadas são despidas de ética.
É preciso respeitar os símbolos pátrios, como a tolerância, incluindo a do relacionamento com adversários políticos, é algo a se praticar diariamente. Filas, quando inevitáveis, devem ser respeitadas, como ensinou Florestan Fernandes durante seu tratamento de saúde no Hospital do Servidor, em São Paulo.
Ao retornar de uma viagem ao Araguaia, em novembro de 2001, após a Expedição Antígona, dirigida por seu advogado e deputado petista, Luiz Eduardo Greenhalgh, sugeri-lhe, que, se chegasse ao poder, e eu acreditava na sua vitória, observasse com carinho a região do Araguaia, em especial o sudeste do Pará. 
Encontrava-me ainda emocionada e espantada não apenas com a incrível memória social deixada pela guerrilha, como, também, por saber um pouco da incrível e assustadora riqueza em meio à carência quase absoluta de ações do Estado na região.
E é com profundo pesar que soube que a campanha pela divisão do Estado do Pará, em plebiscito deste domingo, é dirigida gratuitamente por Duda Mendonça. Eu, que até poucos dias atrás, defendia a divisão, por andar um pouco por aquele Estado, fiz como a Metamorfose Ambulante, do Raul Seixas, permiti-me mudar de opinião.
Apenas por ser esse homem o dirigente da campanha publicitária do Sim. Torço, agora, pelo Não, com as desculpas ao meu colega Val-André Mutram, jornalista, defensor da criação do Estado do Carajás. Val é “dissidente” político da família de libaneses, que fez da castanha-do-pará fonte de exploração e riqueza. Algumas daquelas antigas fazendas, hoje, produtoras de gado, foram adquiridas recentemente por Daniel Dantas.
Vale destacar que a área do Carajás é uma das mais ricas províncias minerais do planeta.
Todo o Estado do Pará é igualmente rico em água potável. Há pouco, descobriu-se um dos maiores aquíferos do mundo na região de Santarém. Abriga grandes e belos rios, como o Araguaia, Tocantins, Tapajós, e, entre outros, o Xingú, onde se constrói a polêmica hidrelétrica de Belo Monte.
Estas linhas solicitam-lhe, apenas, que aproveite sua respeitada liderança para alterar a ordem das coisas. Ajude os meninos das novas gerações a entender a nação e a natureza como o fez o cacique Seatlle, há mais de 150 anos, sempre lembrada por defensores da vida no planeta ao redor do mundo.
A unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues. Vê-se a intolerância até mesmo com artistas sempre amigos do PT por se manifestarem contra a grande obra no Pará. Em uma democracia, o debate e  a discordância de ideias devem ser a primeira regra de quem pensa ser esquerda. Do contrário, o senhor não teria governado o país. E o fez em campanhas pacíficas, após duas décadas em que militantes de esquerda, militares e  civis inocentes feneceram em resultado do desacordo ideológico naquele mundo então dividido pela guerra fria.
Queremos saber, como cidadãos de uma nação, o que ocorreu naqueles tempos, sem usurpações, ódios ou revanchismos tardios. Saber o se passou para melhor compreender os interesses que hoje dirigem o poder e a riqueza do Brasil.
A história não é estática, senhor Presidente, e o povo é, algumas vezes, cruel. Do que ele gosta hoje, muitas vezes deixa de gostar amanhã. Eleição é barganha. Vota-se, quando se é coerente, naquele que oferece mais qualidade de vida à população. Essa é a meta eleitoral nos países democráticos. Já para a história, o que importa é o comportamento. O restante some com a passagem do tempo.
Naquela primeira carta, comentei as palavras do Eclesiastes, quando diz que tudo na vida é vaidade, ou, ainda, "lembre-se de teu criador nos dias de sua mocidade".
Esperamos todos que sua sucessora encontre dias de paz em seu governo, pois, até o momento, o que se vê de "bom" são informações em torno de uma Comissão da Verdade, cujo nome já é, por si, arrogante, e antes de nascer, já estar envolvida por mentiras e hipocrisias, como temos mostrado neste blogue.
São situações, como agora as denúncias contra mais de 20 reitores de universidades, que, comprovadas, mostram inédita desfaçatez e tamanha cara de pau à solta no país, que nos deixam, no mínimo, vermelhos de vergonha.
Desejando-lhe boa e pronta recuperação, respeitosamente,

Myrian Luiz Alves
Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2011
Dia Internacional dos Direitos Humanos

João Carlos, Adalgisa e sua filha, em São Domingos do Araguaia, em 2010. Lembranças e saudade dos antigos moradores, como sua família, das matas do Araguaia, entre eles, e, em especial, de Beto (Lucio Petit da Silva), do Dst A, irmão de Jaime e Lúcia Maria Petit, do Dst C. O marido de Adalgisa é um dos mais sofridos sobreviventes da prisão da base de Bacaba. Até o momento, nenhum centavo de indenização da Anistia lhe havia chegado. A anistia aos torturados daquele conflito somente foi incorporada à Comissão do Ministério da Justiça em 2008, dois anos após as duas primeiras indenizações serem concedidas a moradores.
 Os auto-defensores de DH entendiam que a anistia deve ser dirigida apenas a quem era ganizado. 
Adalgisa sente por não morar  mais na roça.  Em sua casa, na cidade, como em boa parte da região,  não há saneamento.  Ainda hoje, naquela imensa região, como já alertavam documentos guerrilheiros e  militares, entre 1972 e 1974, o Estado permanece ausente

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