domingo, 15 de janeiro de 2012

Nação, histórias e personagens


Dona Leonor, com Paulo Roberto no colo. Interior de Minas, anos 40


Myrian Luiz Alves

Dona Helena Pereira, mãe de Cazuza (Miguel Pereira dos Santos), presidia o Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No início dos anos 90, a CPI de Perus, da Câmara paulistana, era a esperança dos que desejavam, com sinceridade, saber dos destinos de militantes de esquerda, sumidos ou mortos duas décadas antes. Dona Helena era, então, uma das mães cujos filhos são "desaparecidos" na Guerrilha do Araguaia.
Com ela, moradora das cercanias da Av. Paulista, conheci Édila Pires, prima de Cilon da Cunha Brum, o Simão, também da guerrilha. Gaúcho de São Sepé, Cilon fora estudante de economia da PUC de São Paulo. Gago, não apresentava esse detalhe nos discursos que fazia no movimento estudantil. Já alto funcionário de uma agência de publicidade gaúcha, em São Paulo, de vez em quando fazia compras de roupas para enviar a uma parente dona de boutique em sua cidade.
Édila, também do GTNM, representava a família, na busca de Cilon.
Amiga da irmã de João Carlos Haas Sobrinho, Juca, esteve em praticamente todas as expedições ao Araguaia, até 2001. Testemunhou as exumações feitas pela equipe argentina e descobriu o paradeiro de dona Petronilha, esposa do coveiro que sepultou Juca. O apontamento ocorreu em 1996, durante a expedição da própria Secretaria de Direitos Humanos. Não foi convidada, porém, para participar da retirada de restos mortais na Reserva Indígena Suruí, dos quais, vez ou outra, voltaremos a comentar.
Com dona Helena e Édila tomei muito café, acompanhado de romeu e julieta. A amizade com Édila permanece. Dona Helena partiu ainda nos anos 90 sem saber de seu filho, a quem amava profundamente. Rasgava-lhe elogios por seu carinho e gestos de amor, como preparar-lhe pratos especiais.
Mas, pessoas hoje enrustidas em determinado grupo, do qual sempre falamos, ironizavam a mãe de Cazuza, pelas costas: "Dona Helena, nunca mais".
Foi nesses momentos que percebi a falsidade e os interesses que giram nesse grupinho. Hoje, fazem o mesmo com militares do Exército e pesquisadores, no sudeste do Pará. São essas pessoas que retiram corpos para omiti-los em Brasília, processam o Estado, mentem a ele para alcançar "direitos" sem fim.
Em 1993, o Relatório da Marinha forneceu datas de prisão e morte de militantes. Já o citamos aqui e voltaremos a comentá-lo.
Hoje, mencionamos os casos Cilon, Teodoro e Paulo Roberto, respectivamente, Simão, Raul e Amauri. É importante lembrar que o ex-soldado Adolfo Rosa, irmão do cabo Rosa, morto no Araguaia, serviu na Base de Xambioá. Ali, fez guarda para o prisioneiro Simão. A informação consta do livro de Taís Morais e Eumano Silva, Operação Araguaia. Registro que a denúncia do soldado foi testemunhada por mim, em Belém, durante entrevista feita por Taís.
Dona Leonor, mãe de Paulo Roberto, é uma das mães com quem convivi. Seu filho, com o codinome de Amauri, "farmacêutico" na Palestina e Santa Cruz, é um dos mais citados nos relatórios militares de 1972. Nas mãos de um militar, vi o depoimento de Glênio Sá, que cita AMAURI DE AZEVEDO SIQUEIRA a todo momento, dando-lhe responsabilidade em várias ações. Amauri substitui José Genoíno no comando do Grupo Gameleira (Dst B). É extremamente querido na região, inclusive por vários guias, como Abelinho, tratado por ele na Palestina. Abelinho jura de pé junto que Amauri teria morrido no "chafurdo" do Natal de 1973.
Embora Amauri seja famoso, o Relatório da Marinha não o cita. A Força Aérea diz não saber de quem se trata, no caso, com o nome real de Paulo Roberto, e o Exército mantém informações falsas de filiação.
No entanto, uma testemunha apareceu em 1996, em Xambioá, e afirmou ter visto Amauri, cercado por oito militares, já ferido na perda, ser alvejado por um tiro no crânio, desferido por um major. O coronel Lício Ribeiro Maciel, em depoimento de 2010 à Justiça Federal, contou que Amauri teria sido sepultado no cemitério de Santa Isabel, área próxima à Santa Cruz. Alguém perguntou-lhe algo mais a respeito, após essa afirmação? Não. O assunto mudou de rumo.
Nos casos Cilon e Teodoro, a mesma "denúncia", da Marinha: teriam sido mortos durante ataque de terroristas quando conduzidos por militares. A data: 27 de fevereiro de 1974. Alguém perguntou à Marinha como ela teria essa informação? Não. Ou como, um grupo minguado e sem armas de guerrilheiros ainda ousaria atacar uma equipe? Não atacavam sequer nos tempos de combate, porque agiriam assim contra prisioneiros? De qualquer forma, nenhuma pergunta foi feita e até hoje sequer o Grupo de Trabalho Araguaia, formado para cumprir uma sentença federal, pediu as folhas de alteração de militares relativas às datas citadas pela Marinha.
Documento agora revelado, em poder do Ministério da Defesa, afirma que Paulo Roberto também teria morrido em 27 de fevereiro de 1974. Foi um fuzilamento triplo? Três moços altos e do destacamento do comandante Osvaldo? Exibição covarde de poder? Ainda falaremos de casos semelhantes.
Resolvemos abrir 2012 com essas situações de prisão e assassinato, e uma de sumiço da qual nunca se fala (ver texto de João Carlos, Jurandir - o mistério) porque é disso que se trata: crime de guerra. Não cremos que interesse às forças armadas, às instituições, manter no anonimato homens covardes, talvez seja essa a razão de a Marinha ter fornecido datas de prisão e morte ao então Ministro da Justiça de 1993, que as repassou aos deputados da então Comissão Externa, origem da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, dirigida internamente pelo mesmo grupo aqui várias vezes comentado.
Então, perguntamos:

. O que realmente querem essas pessoas?
. Por que utilizam a dor de mães já octagenárias e de outras que sequer continuam entre nós?
. Por que todas as vezes em que se avança nas investigações inventam outras fórmulas?
. Por que uma Comissão da Verdade, 40 anos depois, e não uma CPI federal durante todos esse período, já que uma municipal ouviu todas as autoridades chamadas?
. Quais são os militares protegidos por essas pessoas?
. Por que nunca abriram processo contra Sebastião Curió, por exemplo, de quem tanto se fala, foi prefeito, deputado e nunca escondeu sua participação na guerrilha e o que usufruiu a partir dela.
. Qual o relacionamento do então sargento Joaquim Artur, ou Ivan, com pessoas ligadas à esquerda. Qual foi sua real importância como agente?
. Por que familiares ou representantes do PCdoB conseguem conviver amigavelmente com cortadores confessos de cabeças de guerrilheiros do Araguaia, ao mesmo tempo em que menosprezam, hoje, instituições de Estado, como o Exército?
. Por que pessoas que têm interesse histórico ou criminal, como o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, são afastadas ou "queimadas" durante períodos de investigação?
. Por que o domínio de apenas um pequeno grupo de "representantes de direitos humanos" no Executivo, Legislativo e até mesmo junto ao Ministério Público?
. Por que algumas dessas pessoas, também inseridas em direções de organizações não governamentais, recebem apoio financeiro do estado e da Fundação Ford para contarem a mesma historinha, vitimizando quem jamais participou da luta contra o regime?
. Por que uma ação contra o Brasil, como a da OEA, é regojizada por esses representantes com todo o apoio do Poder Executivo, autoridades e jornalistas que sabem do vício de processo?
. Quem é morto, na tortura ou em combate, e teve seu corpo registrado por fotografias, em documentos de Instituto Médico Legal ou em relatório militares, foi visto por testemunhas, prisioneiro, moradores ou militantes, e foi enterrado em cemitérios municipais é desaparecido?
. Por que essas mesmas pessoas conduzem, sem a participação de instituições e autoridades responsáveis - e sem cadeia de custódia -, identificações humanas quando relacionadas a militantes políticos?
. Juca foi exumado em 1996, como afirmam documentos e testemunhas do período? Se foi, onde está seu corpo?
. O que é, afinal, no Brasil, "desaparecido político"?
. Ou será que a heróica atuação dos militantes de esquerda dos anos 60 e 70 serve para encobrir os atuais descalabros na gestão pública?


Não apenas dona Leonor, dona Helena, os irmãos de Cazuza, de Amauri, Simão, Raul e tantos outros querem saber de seus parentes. A história do país quer contá-los. É à nossa história seu real pertencimento. Respeitamos a saudade e o sofrimento provocado pelo descaso, assim como respeitamos todos os que decidiram seus próprios caminhos e dedicaram-se à construção da nação. Nosso respeito estende-se às famílias de militares e civis que tombaram em meio ao clima beligerante do período. Todos são participantes da história do País e seus nomes e histórias devem ser conhecidos.
Saber trajetórias e destinos e tudo a isso envolvido, é isso o que queremos, como afirma o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em texto de Merval Pereira, em O Globo (abaixo).
Torcemos para que, desta vez, possamos saber mais.

                           
2 – AMAURI DE AZEVEDO SIQUEIRA  “AMAURI” 
  (Dst B – Gp GAMELEIRA)

    (grafia original em álbum militar, outubro de 1972)

             
Antonio Teodoro de Castro – Raul

. JAN/70, cursava o 4º ano de farmácia da UFRJ em 1971. Ativista ligado ao PCdoB. Foi para o campo em meados de 1971.
. FEV/74, foi morto durante ataque de terroristas, à equipe que o conduzia. A ação teve característica de  “Justiçamento”.
. NOV/74, relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em 27 FEV 74 (Marinha).

                                             
Cilon da Cunha Brum – Comprido/Simão

. SET/73, era o Chefe do Grupo Castanhal do Destacamento B. Fez parte do  “Grupo de Assalto”  com outros companheiros no treinamento de emboscada. Participou de um combate próximo a Couro Dantas com elementos do EB resultando em um morto e um ferido. Fez treinamento de sobrevivência, deslocamentos através de campo, tiro e executou trabalho de aliciamento na região de Couro Dantas.
FEV/74, foi morto por terroristas quando era escoltado, tendo a ação características de “justiçamento”.
. NOV/74, relacionado entre os elementos que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em 27 FEV 74 (Marinha).




Informações sobre Paulo Roberto:


Paulo Pereira Marques - (Paulo Roberto P. Marques) - Amauri
Filho de João Marques da Silva e de Judith Pereira da Silva, nascido no dia 1 Jun 49, em SENHOR DO BONFIM/BA (Centro de Inteligência do Exército).

Não existem registros sobre pessoa com esse nome (Força Aérea Brasileira).


O Globo, 8 de julho de 1996:

"Na ultima sexta feira, os peritos já haviam encontrado a primeira ossada desde que foram iniciadas as escavações na região do Araguaia. Segundo o comerciante Manuel Ferreira do Nascimento, a ossada é do guerrilheiro Paulo Roberto Pereira Marques, o Amauri.
 "A calça listrada azul é a mesma que o Amauri usava e ele foi morto com um tiro do lado esquerdo do cranio, e as imagens da televisão mostraram a fratura nesse mesmo lugar" afirma o comerciante, que diz ter identificado a ossada como sendo do Amauri depois de ter visto as imagens no 'Jornal Nacional'".


Lucas Figueiredo à Maria de Fátima, irmã de Paulo Roberto:

Página 719: "A equipe surpreendida no Vale da Gameleira (região do Araguaia) pertencia à 8ª RM, que, como responsável pela área, julgara-se no deer de substituir os elementos de outros comandos que atuvam na região. Comandada por um tenente, essa equipe era composta ainda por dois sargentos e um cabo. Substituíra na noite de 7 para 8 de maio uma experiente equipe de informações que ali estava com a missão de aprisionar o grupo subversivo liderado por "Amaury"  (Paulo Roberto Pereira Marques)." (Informação do livro Orvil)


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Conciliação II


14.01.2012


O Globo - Merval Pereira 


Ninguém quer, como afirma Werneck Vianna, “rasgar a Lei da Anistia”, e sim reinterpretá-la de acordo com as necessidades do Brasil do século XXI, diz Alencar, alegando que “até a Corte Interamericana dos Direitos Humanos entende assim. Isso é avanço civilizatório e não anacronismo”.


Na visão de Chico Alencar, o crime da tortura e do desaparecimento de presos políticos “é hediondo e imprescritível. Ninguém pode ser conivente com ele, e vários que ascenderam hierarquicamente no serviço público, sobretudo militar, e na vida política, foram praticantes ou cúmplices — até por omissão — desses atos abomináveis”.


O deputado do PSOL diz que quando se alega que também houve prática ‘terrorista’ por parte daqueles que se insurgiram contra a ditadura, igualando-os aos torturadores, “omite-se que estes agiam, sem legitimidade para tanto, em nome do Estado, sobre pessoas já imobilizadas, e aqueles pagaram seus atos com prisão, sevícias cruéis, banimento, morte”.


Respondendo a Werneck Vianna, ele diz que “passado não é apenas o que passou, mas o que, sendo devidamente lido e relido, nos constitui”.


Segundo ele, “o que nós queremos é conhecer quem torturou, quem ordenou a tortura, quem montou a estratégia da violência oficial contra opositores, quem a financiou, quem praticou atos tão covardes que nem mesmo o regime, embora os tenha organizado ‘cientificamente’ e exportado seu ‘know how’ para governos obscurantistas vizinhos, os assumiu”.


O que queremos, diz o deputado, “é que as novas gerações da hierarquia militar não se solidarizem com processos espúrios que só desonraram seus estamentos”.


Que corporativismo é esse que assume como seu “patrimônio” práticas que atentam contra os mais elementares direitos dos homens e dos animais?, pergunta Chico Alencar.


O que o deputado do PSOL defende é que “as famílias que não tiveram sequer o direito de sepultar seus entes queridos, ou que viveram o drama indizível de sabê-los nas masmorras sofrendo todo tipo de violentação, conheçam seus algozes para usar, se desejarem, o direito de acioná-los judicialmente”.


Ele lembra que, na África do Sul, muitos “dos que ainda estão vivos e conscientes” tiveram “a hombridade de reconhecer que praticaram atrocidades, caminhando assim para o que em direito se chama de ‘arrependimento eficaz’”.


Chico Alencar acha que “nossa gente precisa reverenciar é a luta daqueles que nos trouxeram a democracia, mesmo com suas limitações atuais, inclusive os jovens que pegaram em armas contra o fascismo brasileiro, em inglória batalha”.


Ele lembra que, ao contrário de Werneck Vianna agora, “todos os que resistiram ao arbítrio pela via exclusivamente institucional reconhecem a coragem histórica dessa geração e seu papel na redemocratização — a começar por Ulysses Guimarães”.


Alencar acha que a chamada ‘transição pelo alto’, pactuada, negociada, “só aconteceu também porque alguns colocaram suas próprias vidas em risco para romper o círculo de ferro do regime militar”.


Na coluna de ontem não fiz referências explícitas a algumas pessoas que tiveram papéis importantes no processo da anistia.


Terezinha Zerbine foi a primeira pessoa a organizar a luta em prol da anistia através do MFA — Movimento Feminino pela Anistia, em 1975. E, em fevereiro de 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), do qual a presidente fundadora foi Eny Moreira.


Também o médico Leo Benjamim, filho de Iramaya Benjamim, sucessora de Eny Moreira no CBA, enviou mensagem onde destaca que foi lá que surgiu o slogan “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”, dando um cunho nacional ao movimento iniciado por Terezinha Zerbini.


O historiador Carlos Fico, por sua vez, lembra que “mesmo a D. Terezinha Zerbini escreveu uma carta ao Dr. Ulysses pedindo que o “MDB autêntico” não obstruísse e votasse o projeto do governo evitando “uma inútil e contraditória confrontação”.


A carta está no Arquivo do CPDOC. Acho que não foi divulgada na época.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esses personagens jovens tombaram n guerrilha do Araguaia, merecem entrar para a história. por que foram? Em que época! A guerra do Vietnam fervilhava. Os jovens do pós-68 já não eram os mesmos!
Luiz Antonio C.