Myrian Luiz Alves e João Carlos Campos Wisnesky
Aos guerrilheiros Lucia Maria de Souza (Sonia) e
Libero Giancarlo Castiglia (Joca), in memoriam
(Liubliu – Amo, de Wladmir Maiakovski)
“(...) Depois
atai-me a um poste
fuzilai-me!
Por causa disso
Haverei de mudar? (...)”
(Guerra e Paz – Maiakovski. Tradução:
E.Carrera Guerra, 1956)
Desde a confirmação dos sete indicados pela presidente Dilma Rousseff à Comissão da Verdade, ou, desde sua instalação, somente agora os autores deste blogue decidiram tecer sua opinião, ou comentários. Optaram por observar as análises e as polêmicas publicadas nos mais variados meios de comunicação. O resultado dessa leitura é estarrecedor! E, também, sugestivo!
Quantas
opiniões vieram à tona para apontar que a Comissão deve fazer isso ou aquilo,
que esse ou aquele não deveria integrar o seleto grupo, como se pode observar
na entrevista da representante do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, em
entrevista à Carta Maior.
Haverá
um dia em que todo o cinismo desses chamados representantes de "direitos humanos" será finalmente revelado. Por ora, nossa obrigação é a de apenas lembrar-vos,
amigos leitores, que essas pessoas calaram-se diante da revelação de corpos de
combatentes em armários da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Algumas foram, inclusive, responsáveis pelo "arquivamento.
Ao
ser um dos corpos identificado, 13 anos após sua exumação por um grupo forense
argentino, sob a tutela de tal comissão, essas pessoas também não fizeram
autocrítica. Apoiaram-se na absurda desculpa de que uma “revolução
mitocondrial” favorecera a identificação de um homem com quase 1.90m de altura,
problemas na mastoide e 21 dentes (sete teriam ficado na terra), além de materiais, como restos de cipó, com ele encontrados. Não permitiram a legistas ou laboratório brasileiros a análise dos restos mortais.
Não
demonstraram nenhuma comiseração por sua mãe, nonagenária, ter ficado mais de
uma década sem poder sepultar dignamente seu filho, morto no enfrentamento a paraquedistas e em defesa de quatro camaradas, no final de maio ou nos primeiros dias de junho de 1972 (provavelmente no dia 2 de junho). Bergson Gurjão Farias, Chefe do simbólico grupo chamado Esperancinha não foi assassinado. Morreu em combate.A revelação de mais uma identificação de guerrilheiro do Araguaia, enterrado em cemitério público, e retirado em 1996 com apoio governamental, poderia, afinal, prejudicar a ação movida na Corte Interamericana contra o Brasil.
Isso,
em nosso entender, além de nos envergonhar enquanto nação demonstra o
mau-caratismo que tomou conta de muitas organizações no país, e, também, das
instituições. Nem o fascismo ou o nazismo teria sido tão criativo.
Omitir
cadáveres dentro do aparelho de estado para usufruir de status político e
financeiro por meio dos direitos humanos não provoca asco? Apoiado pela Comissão Europeia, nenhuma ação
política para sabermos melhor o que se passou durante o regime
militar satisfaz esse grupo e outro assemelhado, do qual sempre falamos, ambos
com menos de meia dúzia de porta-vozes. O que eles querem?
Os
jornalistas que os entrevistam não percebem o cinismo - seus desentendimentos internos quando lhes convêm, e sua união quando o tema
é indenizações ou nomeações à vista?
Há
mais restos mortais retirados da região do Araguaia em Brasília, que, identificados, auxiliariam a localizar outros que ainda lá permanecem. Guerrilheiros podem
ter sido mortos na Capital, pois para lá foram levados com vida, como revelou
um sargento da Aeronáutica na
Comissão Externa da Câmara dos Deputados em 1992 (texto da Agência Estado abaixo).
Queremos
saber dos responsáveis por essas prisões o que ocorreu. É preciso ouvi-los e
cruzar suas informações com os milhares de documentos já disponíveis e outros
que possam ser revelados pela Comissão da Verdade.
O que temem os vampiros de nossa história? De também eles serem cobrados por
suas omissões? De seus financiamentos recebidos do exterior, como a Fundação
Ford, para publicarem livros bem grossos – são mais caros, claro – com
historinhas sempre por eles próprios contadas?
Não
querem, também, que saibamos de erros ou equívocos de seus líderes? Ou por que
entendem que os contrários às suas opiniões devam ser justiçados, retirados da
vida pública por conta de suas queimações?
Queremos
ouvir o Brasil tal como ele foi forjado, analisado sob o contexto mundial do
período e de seu processo de redemocratização. Sem medos ou vergonha.
Se
a história da civilização fosse tratada como desejam os vampiros de nossa
história, assassinos ou os que (re)escondem corpos de suas verdadeiras
famílias, não conheceríamos sequer o que se passou em Troia ou em Waterloo.
Queremos,
além disso, saber as divergências políticas e de ação entre os grupos que foram
à luta armada, seus reais objetivos, da mesma forma que já se sabe o papel do
Brasil no apoio a outros golpes militares, como o do Chile.
E,
mais a fundo, também solicitamos à Comissão da Verdade uma análise sobre o
dossiê elaborado pela senhora Maria de Lourdes Salazar e Oliveira à Comissão
Especial de Mortos e Desaparecidos, em 22 de janeiro de 1996, para saber dos
restos mortais de seu filho, Ciro Flávio Salazar e Oliveira, tombado em 30 de
setembro de 1972, com seus companheiros Manuel José Nurchis e João Carlos Haas
Sobrinho.
Aliás,
queremos saber o que se passou no Instituto de Criminalística do Distrito
Federal (ICDF) e na Polícia Federal de Brasília em 19 de novembro de 2003, dia
em que restos mortais e coletas de sangue foram estupidamente retirados para
serem arquivados na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Junto ao
material coletado da família Haas, no ICDF, havia um osso da perna de Iuri
Xavier Pereira, jamais desaparecido. Por que estava ali?
Um
bom caminho para saber os procedimentos sob a responsabilidade de leigos
autointitulados especialistas em ”direitos humanos” é ouvir, por exemplo, legistas e antropólogos de Brasília, da
Argentina e da Unicamp. E conhecer, também, detalhadamente seus relatórios e
saber, ainda, “resultados” divulgados pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos a partir de análises jamais apresentadas.
“(...) Em nossas veias/corre um sangue rubro/E não água morna .
Marchamos através/de um ladrar de balas/para que ao morrer
nos tornemos/navios/poemas/ou coisas maiores.
Gente como eu/Jamais deveria morrer.
Mas, já que existe um fim/quisera/ – É meu único desejo –/encontrar a morte/
como a encontrou /o camarada Nette.”
(Maiakovski – Ao Camarada Teodoro Nette – Homem e Navio, 1926)
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Reportagem da Agência Estado, de 9 de dezembro de 1992, relativa a
depoimento de ex-sargento da Aeronáutica à Câmara dos Deputados
"Diário do Passado
Quarta-feira, 9 de dezembro de 1992
Sargento depõe sobre o Araguaia na CPI dos desaparecidos políticos
Brasília, 09 (AE) – Os
deputados Roberto Valadão (PMDB-ES) e Cidinha Campos (PDT-RJ) tomaram ontem, em
nome da CPI dos Desaparecidos Políticos, o depoimento do sargento reformado da
Aeronáutica, Napoleão Sabino de Oliveira. Ele diz ter transportado
guerrilheiros presos na guerrilha do Araguaia.
Seu relato durou quase uma
hora. Diante do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenere,
o sargento contou que, de 1974 a 1975, trabalhou no transporte de alimentos e
pessoas entre Brasília e Xambioá, no Araguaia.
Em janeiro de 1975 ele
transportou oito guerrilheiros encapuzados – cinco homens e três mulheres – de
Xambioá para Brasília. No percurso, um deles perguntou se ia morrer. “Nesse
avião, não”, teria respondido o sargento.
Ele contou também que
muitos guerrilheiros assassinados foram enterrados num local situado a 1.500
quilômetros (sic) da pista de pouso de Xambioá, mas ressalvou não ter
testemunhado nenhum desses crimes. O sargento responsabilizou o Exército e a
Aeronáutica por essas mortes; e as polícias militares do Amazonas e do Pará,
como sendo as forças deslocadas na época para o Araguaia."
(Trecho de relatório de Myrian Luiz Alves ao Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), março de 2011)