Myrian Luiz Alves e João Carlos Wisnesky*
Instituída em 1995 pelo governo
Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de “reparar” crimes do regime
civil-militar de 1964-1985, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (Lei
9.140), sediada no Ministério da JUSTIÇA, em Brasília, quer, agora, poderes da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), findada em dezembro de 2014.
Há quase duas décadas, essa comissão comete
graves crimes contra a história do país, familiares de mortos e desaparecidos
políticos e contra os próprios, ou melhor, contra seus corpos, configurando
crime de vilipêndio, segundo o Código Penal.
Molesta túmulos, esconde esqueletos e
restos mortais nas dependências da Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) da
Presidência da República e impede o cumprimento (honesto) de duas sentenças
judiciais contra a União.
FARSAS NA MEDICINA
LEGAL
Com
o absurdo de, composta por leigos, ter a responsabilidade de identificar militantes,
desrespeitando instituições e laboratórios, a comissão em todo esse período não
solicitou sequer fichas antropométricas. Quando flagrada em suas ilegalidades,
como ocorreu no caso Bergson Gurjão Farias, em 2009, mentiu! Alegou “REVOLUÇÃO
MITOCONDRIAL” para identificar, após uma série de denúncias na imprensa e na
Câmara dos Deputados, o esqueleto com quase 1.90m e arcada dentária do primeiro guerrilheiro a tombar em combate com paraquedistas das forças legais.
No poder
da comissão, seus restos mortais (como ainda ocorre com os de outros companheiros seus), permaneceram ocultos de 1996 a 2009. Sua mãe (nonagenária),
como seus irmãos, foi enganada antes, durante e depois desse período. Até hoje,
como se pode comprovar nos documentos da SEDH e da CNV, nenhuma autocrítica
relativa a esse descaso foi feita pela área de Direitos Humanos da Presidência.
Ao
contrário, desde o início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o tema “desaparecidos”, ou ditadura, foi utilizado de maneira jamais vista na história da redemocratização.
ESTUDANTE E
GUERRILHEIRA JAZ NOS ARMÁRIOS DA JUSTIÇA
Este
blogue alertou, em novembro passado, antes do final dos trabalhos da CNV, como tem feito desde sua criação, que
havia – e há – restos mortais de guerrilheiros do Araguaia em poder da comissão
de mortos e desaparecidos.
Entre
outros, recolhidos em 1996 e 2001 da região do Araguaia, pela Secretaria de
Direitos Humanos (SEDH/PR) e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, está o de WALKÍRIA AFONSO COSTA, estudante de pedagogia da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Walkíria, caçando em Minas Gerais e na sepultura, no Cemitério de Xambioá (TO), a 500m da Base Militar. Intitulado E3.2, o esqueleto permanece sem providências de identificação desde 2001. |
Última
guerrilheira a ser capturada, teria sido fuzilada na Base Militar de Xambioá (TO),
na presença e por oficiais das Forças Armadas, em 25 de outubro de 1974.
O
Relatório da Marinha, de 1993, já apontava a data, confirmada por inúmeros
depoimentos ao Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), criado pelo governo Lula,
para cumprimento da sentença da Justiça Federal, em 2009. Objetivando, em
primeiro plano, a condenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos
(OEA), “ativistas” da luta armada urbana – que permanecem como se estivéssemos em
guerra interna e que comandam as comissões - impedem o esclarecimento dos fatos
e a identificação de “ossadas”, como a de Walkíria.
Pode-se,
com base em pesquisas e fatos, concluir que, nos últimos anos, tais militantes
do passado querem forçar a aceitação de seus métodos de ação – de caráter
terrorista – pelas novas gerações, em detrimento da memória de guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), militares para lá deslocados (há militares mortos em combate - quem são?) e a população.
É
preciso lembrar – e debater – as divergências pretéritas dos grupos armados que
resistiram, cada um ao seu modo, à ditadura. Incluem-se no debate partidos, que, embora clandestinos, não aceitavam a guerrilha urbana como ação de resistência, a exemplo dos comunistas do PCdoB, ou do PCB (que não aceitava também a rural).
No
período Dilma Rousseff, a CNV forçou, via gigantesca assessoria, a versão dos
grupos armados urbanos, obviamente para “enaltecer” o slogan (usado na campanha
2014) “Coração valente”.
Uma
versão intensificada pela propaganda repetida quase diariamente pela mídia, por
meio de releases, com histórias bastante conhecidas da historiografia. No fim,
pouco revelou a CNV. Alguns documentos faziam parte do acervo do Arquivo
Nacional. Outros, foram doados por militares às pesquisas e à
imprensa. Pode-se afirmar que o relatório, divulgado com pompa, em 10 de dezembro - é apenas uma sistematização de livros e documentos públicos.
O
caso Epaminondas Gomes de Oliveira, cujo esqueleto foi retirado do Cemitério Campos da Paz, em
Brasília, era conhecido desde 1996. Faltou apenas, durante esse período, ação
da própria Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Pergunta-se:
por que pagar custos dessa comissão ou aumentar seu poder?
O
caso Bergson foi revelado por esta pesquisadora (Myrian Luiz Alves), com apoio
de guerrilheiros – totalmente ignorados por essa comissão e pela CNV nos seus
dois anos e sete meses de atuação –, amigos e jornalistas.
Em 2009, após vários anos de denúncia, foi
preciso a intermediação do ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, Pompeu de Matos (PDT), e do ex-ministro José Dirceu para
retirar o corpo de Bergson do armário da SEDH, em 2009. Texto do Arquivo Nacional conta a identificação (devida) de Bergson (37 anos após sua morte, e 13 após seu sepultamento em campo santo em junho de 1972) e as dez ossadas em poder do Ministério da Justiça, sem encaminhamento.
Agora, o esqueleto de Walkíria e outros que jazem da mesma forma em caixas de papelão desde
2001 precisarão do apoio de quem do governo?
Quem
sabe o novo ministro da Defesa, Jaques Wagner?
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, registra-se, já tinha conhecimento
do caso Bergson quando exercia seu mandato de deputado federal. Antes, portanto, de assumir a pasta no governo Dilma.
E a
Secretaria de Direitos Humanos, no nosso entendimento, não teria qualquer
interesse em resolver a questão. Para isso terá de assumir seu descaso e atos
de vilipêndio.
Vamos repetir quantas vezes
forem necessárias nossas denúncias contra a violência travestida de “direitos
humanos” contra cidadãos e guerrilheiros (vivos e mortos) do Araguaia!
Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), em 2009, na região de Brejo Grande (PA). Na imagem, Myrian, o general Araújo (de óculos), da Brigada Militar de Marabá, geólogos da UnB e legistas do IML-DF. |
* Myrian
Luiz Alves é jornalista e pesquisadora. Participou de buscas e
exumações na região em 2001, como assessora do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh,
advogado dos familiares do Araguaia. Foi pesquisadora independente convidada,
por portaria, do Ministério da Defesa (2009-2012) para cumprimento da sentença
da Justiça Federal. Em agosto de 2014, recebeu ofício da Presidência da República
(Comissão Especial e SEDH) para “colaborar” com informações sobre essa “tal”
guerrilha, como diz o texto do ofício. Há 14 anos denuncia a não-identificações,
sob responsabilidade da SEDH, de guerrilheiros exumados do Cemitério de Xambioá
(TO) e da Reserva Indígena Suruí, em São Geraldo (PA).
* * João Carlos, médico, foi guerrilheiro no Araguaia. Com o codinome "Paulo", integrou, entre setembro de 1971 e setembro de 1973, o Grupo 1, liderado por Orlando Momente (Landinho), do Destacamento A, então comandado por André Grabois (Zé Carlos).